Título: Comoção no enterro de Cecilia
Autor: Sheila Machado
Fonte: Jornal do Brasil, 19/02/2005, Internacional, p. A9
Paraguaios reclamam de insegurança, após seqüestro e morte da filha do ex-presidente, Raúl Cubas
Centenas de pessoas se reuniram ontem no Cemitério Italiano, em Assunção, para exigir justiça e segurança no Paraguai, enquanto acompanhavam o enterro da filha do ex-presidente Raúl Cubas, assassinada depois de um seqüestro de quase cinco meses. Cecilia foi encontrada morta na quarta-feira à noite, em um câmara subterrânea no quintal de uma casa em Ñemby, nos arredores de Assunção. Legistas calculam que a mulher tenha morrido, por asfixia, entre o fim de dezembro e o início de janeiro. O período bate com descrições dos vizinhos do cativeiro.
Segundo contaram ao jornal ABC Color, as pessoas que ocupavam a casa teriam deixado o local antes do ano novo, pois enfeites luminosos e sonoros que decoravam a fachada ficaram funcionando por dias, sem serem desligados.
O crime comoveu a sociedade paraguaia, que acompanhou pela imprensa as negociações com os seqüestradores.
- Cecilia representa tudo o que queremos negar. Não queremos mais violência, não queremos mais luta de classe - disse Raúl Cubas, entre lágrimas.
A principal avenida da capital foi fechada para o cortejo.
- Não conhecia Cecilia, mas tenho sete filhos e acho que se isso aconteceu com a filha de um ex-presidente, pode acontecer com todos. Não sou rica, mas hoje em dia ninguém está seguro neste país - desabafou a dona-de-casa Banca Aguerri.
O sentimento de insegurança é uma constante na vida dos paraguaios, confirma ao JB Maria Callizo, presidente do escritório do Paraguai da ONG Transparência Internacional:
- Quem deveria proteger a população não o faz. Há indícios de que as forças de segurança tenham ligações corruptas com outros setores do poder, políticos inclusive. No Paraguai, as instituições públicas não funcionam - critica.
Para a especialista, a descoberta do corpo e pistas de que pessoas na polícia escondiam a localização do cativeiro são a prova de que falta transparência.
- Não é o primeiro caso de seqüestro, a sociedade está cansada. Esta é a oportunidade de o governo realizar reformas, fortalecer as instituições de segurança. No caso de Cecilia, o primeiro passo para restaurar a confiança do povo na polícia seria esclarecer o que realmente aconteceu, quais informações os policiais tinham, quais erros foram cometidos - diz Callizo.
No cortejo da filha do ex-presidente, a população se mostrou enfurecida. Aos gritos de ''ladrões, inúteis'', muitos exigiam a renúncia do ministro do Interior, Nelson Mora, e do procurador-geral da república, Oscar Latorre, os principais encarregados pela investigação. Mas ambos receberam o apoio do presidente Nicanor Duarte.
- No Paraguai faltam instituições fortes e preparadas para o Estado de direito - censurou a presidente da Transparência Internacional.
Uma amiga dos Cubas, Carmen Arias, também exigiu ''respostas concretas''.
- Queremos nomes e sobrenomes - exclamou, no velório.
A ministra das Relações Exteriores, Leila Rashid, contou que a Colômbia se ofereceu para cooperar na investigação. Segundo a polícia paraguaia, o principal suspeito do crime, Osmar Martínez, teria trocado e-mails com o ''chanceler''' das Forças Armadas Revolucionárias (Farc), Rodrigo Granda.