Título: A missão de João Paulo II
Autor: D. Eugenio Sales
Fonte: Jornal do Brasil, 19/02/2005, Outras Opiniões, p. A11

O Papa governa a Igreja com uma eficiência não inferior à exercida no gozo de sua saúde

Recentemente, o estado de saúde do Santo Padre se agravou. Uma gripe trouxe conseqüências que levaram os médicos que o atendem a recomendar a internação em um hospital, aliás, o mesmo, Gemeli, para onde fora nas vezes anteriores. Os efeitos do fato na opinião pública internacional chamam a nossa atenção para o papel que exerce, como Sucessor de Pedro e servidor da Humanidade. Ele é o alicerce da obra de Cristo. A barca do pescador não soçobrou em meio a tempestades nos dois milênios de existência. Há uma garantia do Senhor: ''Tu és Pedro e, sobre esta pedra, edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela'' (Mt 16,18).

A preocupação provocada pelos problemas de saúde de João Paulo II, que atingiu católicos e não-católicos, nos faz refletir sobre esse ponto de referência em um mundo tão agitado. Em janeiro último, no discurso ao Corpo Diplomático junto à Santa Sé para o intercâmbio dos votos de Ano Novo, na Sala Régia do Palácio Apostólico do Vaticano, o Santo Padre assim se expressou: ''E de fato, a vossa presença, Senhores e Senhoras Embaixadores, que aqui representais quase todos os povos da terra, apresenta ao nosso olhar como uma visão de conjunto, o grande cenário da humanidade''. São 174 países, católicos e não-católicos, que mantêm relações diplomáticas com o Vaticano. É uma voz, uma autoridade moral, à margem da política partidária, mas a serviço da Humanidade. Entre os temas tratados nessa oportunidade, em nível do bem comum, estão os seguintes: a defesa da vida, sobretudo no início, quando o homem é mais frágil; o segundo desafio é o pão para todos; o terceiro, a paz, bem muito valioso. Enfrenta o fenômeno cruel e desumano do terrorismo, que alcançou dimensões planetárias.

Chama a atenção para a situação da África e Médio Oriente e a importância da Liberdade. ''Nem se tema que a liberdade religiosa (...) interfira no campo da liberdade política e das competências próprias do Estado: a Igreja sabe distinguir bem, como seu dever, aquilo que pertence a César e o que pertence a Deus (cf Mt 22,21)''. Na mesma oportunidade, o Representante do Corpo Diplomático em seu discurso, nos ajuda a ver o papel do Romano Pontífice em nossos dias: ''Santo Padre, nós encontramos conforto no vosso Magistério! O caminho que nos indica, mostra-se indispensável, no momento atual; desejamos expressar-vos o quanto apreciamos o Magistério do atual Sucessor de Pedro e o seu livro Levantai-vos, vamos !, o compromisso perseverante, no diálogo com todas as religiões e na busca da unidade dos cristãos''. Estes assuntos bem revelam a missão de João Paulo II, em favor da Humanidade. Enumero ainda outras atividades do Santo Padre. Na Praça de São Pedro ensina: ''Todos os cristãos cresçam na solidariedade para construir um mundo de paz''; em uma outra oportunidade falando aos ítalo-albaneses assim orienta: ''O vosso Sínodo contribui para favorecer um renovado anúncio do Evangelho e um vigoroso impulso ecumênico''. Recebe a Delegação Ecumênica da Finlândia, quando trata das raízes cristãs da Europa e uma outra da Universidade da Silésia. Acolhe os Representantes da Região do Lácio, os administradores do Município e Província de Roma, e com eles aborda diversos problemas comuns à Igreja e ao Estado. Essa relação de atividades do Papa, são respigadas de um único número da edição semanal, em português, do jornal L'Osservatore Romano. E aí não estão incluídos os encargos inerentes à vida normal da Igreja. A todo esse fardo acrescem os naturais entraves oriundos de seu estado de saúde. Recentemente, notícias inquietantes despertaram uma extensa e profunda reação em todo o mundo. Preocuparam-se católicos e pessoas de outras crenças com a saúde do Sucessor de Pedro. A grande divulgação dada pelos meios de comunicação social revela o que significa, para a Humanidade, a vida e a atuação de João Paulo II em favor dos homens, sem distinção de religiões e classes sociais. Semanas atrás, ao receber o novo Embaixador de Cuba junto à Santa Sé, em audiência solene para a entrega das Cartas Credenciais de seu governo, ele agradeceu ''as saudações da parte do Dr. Fidel Castro Ruiz (...) a quem lhe peço que expresse os meus desejos pela sua saúde (...) para que sejam incrementados os sentimentos de entendimento mútuo e de fraternidade genuína, permitindo que a Pátria seja realmente casa e obra de todos''.

Estas reflexões recordam aos fiéis o dever de ajudar aquele que recebeu tão oneroso encargo, qual o de apascentar um imenso rebanho e em assuntos de tamanhas proporções. Às orações e à obediência, acrescento a amizade e o amor filial. O Santo Padre, indubitavelmente, suporta e exerce uma missão excepcional em nossos dias. O êxito dessas atividades, depois da graça divina, depende do fortalecimento da unidade no interior da própria Igreja. Caso contrário, seremos um rótulo, destituído de autêntico conteúdo.

A seqüência de Romanos Pontífices se originou em Pedro e chega a João Paulo II. Outros virão, até o final dos tempos, e disso temos uma certeza absoluta. Entrementes, sua idade avançada e problemas decorrentes da enfermidade não justificam levantar hipóteses de sucessor. Enfraquece seus esforços em favor da Humanidade e provoca desgastes no interior da própria Igreja.

Pouco instruídos na Fé, alguns insistem em um raciocínio válido nas instituições terrenas e se esquecem de um fator fundamental na vida da Igreja, a presença do Espírito Santo. Eu creio na fecundidade do sofrimento quando unido à Cruz de Cristo: um Papa doente que permanece heroicamente no posto em cumprimento da missão que lhe foi confiada, governa a Igreja com uma eficiência não inferior à exercida no pleno gozo de sua saúde. Compreendo que isto seja ininteligível a quem não possui o dom da Fé.

No Dia Mundial do Enfermo, celebrado a 11 de fevereiro, o Papa João Paulo II fez um pedido aos doentes presentes a uma celebração eucarística na Basílica de São Pedro: ''O Papa conta muito com o valor de vossas orações e de vossos sofrimentos: oferecei-os pela Igreja e pelo Mundo, oferecei-os também por mim e por minha missão de pastor universal do povo cristão''. Atendamos ao pedido de João Paulo II e agradeçamos ao Senhor Jesus, que pôs à frente de sua Igreja este Sucessor de Pedro e procuremos ajudá-lo com as nossas orações e obediência à doutrina que Cristo nos legou.