Título: País tem cinco milhões de crianças trabalhando
Autor: Abade, Luciana
Fonte: Jornal do Brasil, 13/06/2008, País, p. A4

Esse tipo de escravidão é aceito por muitas famílias.

Brasília

Os números assustam. Mais de cinco milhões de crianças e adolescentes, entre cinco e 17 anos, trabalham no Brasil. A realidade torna-se mais cruel quando constata-se que 5% delas já sofrerem um acidente de trabalho. A taxa de acidentes entre os adultos é de 3,2%. Os dados foram divulgados, ontem, no Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).

O Nordeste lidera o ranking dos Estados que mais usa a mão-de-obra infantil. São 326 mil crianças no Maranhão, 145 mil no Piauí e 330 mil no Ceará. Em números percentuais, correspondem a 17%, 17,4% e 15%, respectivamente, da população com cinco a 17 anos.

O Estado do Rio de Janeiro apresenta um dos menores percentuais, 4%. Mas, tratando-se de um dos Estados com maior índice de Desenvolvimento Humano (IDH), ter 126 mil crianças trabalhando ainda é um absurdo. É o que afirma o coordenador da OIT no Brasil, Renato Mendes.

¿ É inadmissível atingir o desenvolvimento através dos calos de uma criança ¿ acredita.

Áreas de risco

Os números mostram que, apesar de ser um dos pioneiros no combate ao trabalho infantil, o Brasil ainda não tem muito o que comemorar. Principalmente quando analisadas as ocupações dos menores. Fabricação de fogos de artifício, escavação, coleta de lixo e pulverização de agrotóxicos são algumas delas.

O trabalho infantil doméstico sempre foi negligenciado nas ações empreendidas contra o trabalho infantil tanto em nível nacional como internacional. Ele foi incluído na nova lista de piores formas de trabalho infantil estabelecida, via decreto, ontem, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foram listadas 113 atividades.

Segundo a coordenadora do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, Isa Maria de Oliveira, o Brasil apresentava uma queda considerável no trabalho infantil mas, nos últimos quatro anos, as estratégias de enfrentamento do país a esse problema estão perdendo a eficácia.

¿ O Brasil escolheu como estratégia a transferência de renda ¿ explicou. ¿ Mas elas necessitam de outras ações para ser eficiente. É preciso, por exemplo, convencer os pais que se a criança parar de estudar para trabalhar, a pobreza da família será perpetuada.

A coordenadora defende a escola em tempo integral como a melhor solução para erradicar o trabalho infantil, que impacta diretamente o desempenho escolar.

Ao contrário do que se imagina, a pobreza não é o único motivo do trabalho infantil. Os valores culturais têm o mesmo peso ¿ acredita Isa. ¿ As pessoas mais antigas e de baixa renda não vêem problemas das crianças trabalharem.

Pneumonia, mutilação, tuberculose, envenenamento, câncer e queimaduras são algumas mazelas que afetam as crianças trabalhadoras.

¿ Alguns adultos acham que não tem problema porque também trabalharam enquanto crianças ¿ acredita Mendes. ¿ Mas nem imaginam que as dores na coluna que sentem agora, abortos espontâneos e outras mazelas são conseqüências disso.

Para o Ministério do Trabalho, a grande dificuldade de erradicar o trabalho infantil no Brasil está no fato do órgão não ter poder coercitivo no setor informal. É o que explica a representante do ministério, Deuzinéia da Silva Lopes:

¿ No setor informal, é difícil identificar o explorador ¿ explica. Muita vezes são os pais. O que vamos fazer? Falta educação e conscientização.