Título: Depois das mortes, o Exército fica
Autor: Thurler, Fernanda
Fonte: Jornal do Brasil, 17/06/2008, Cidade, p. A10

Três dos militares envolvidos no sequestro de jovens no Morro da Providência confessaram o crime.

Mesmo criticado pelo secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, pelo governador Sérgio Cabral e pela Ordem dos Advogados do Brasil, devido à falta de preparo dos militares na segurança pública, o Comando Militar do Leste informou que o Exército vai continuar ocupando o Morro da Providência, no Centro, durante as obras do Projeto Cimento Social, programa do senador Marcelo Crivella. Ontem foi mais um dia de protesto. Moradores e parentes dos três jovens mortos entraram em confronto com militares em frente ao Palácio Duque de Caxias. Em represália às mortes, o tráfico desafiou o poder público e mandou fechar todo o comércio em torno da comunidade.

¿ O policial militar passa por oito meses de treinamento para cuidar da ostensividade, enquanto no Exército um soldado é temporário, fica só 10 meses na corporação, e ainda recebe um salário mínimo pra isso ¿ disse Beltrame, insatisfeito com a presença do Exército na Providência.

Em entrevista coletiva no Comando Militar do Leste, o chefe da seção de comunicação, coronel Barcellos, caracterizou o ocorrido como um fato isolado.

¿ A presença do Exército não ficou insustentável na comunidade. As tropas vão continuar dando segurança ao pessoal, material e equipamentos empregados nas obras do projeto ¿ assegurou.

Mas o coronel Barcellos não quis falar sobre o depoimento de três dos 11 militares envolvidos no caso, que confessaram ter entregado David Wilson Florêncio da Silva, de 24 anos, Wellington Gonzaga Costa, 19, e Marcos Paulo da Silva, 17, a traficantes do Morro da Mineira, controlado por uma facção rival da que ocupa a Providência.

Ao revelar que o tenente Vinícius, o sargento Maia e o soldado Rodrigues admitiram o crime, o delegado da 4ª DP (Praça da República), Ricardo Dominguez, responsável pelo caso, deu detalhes do seqüestro. Eles contaram que os jovens foram detidos por desacato a autoridade, encaminhados à Delegacia de Polícia Judiciária Militar, em Santo Cristo, e liberados pelo capitão. Segundo o delegado, o tenente disse que tinha ficado insatisfeito com a ordem do seu superior, e que planejou a ida ao Morro da Mineira para dar um corretivo.

¿ O fato é que o caminhão do Exército entrou e saiu da comunidade sem qualquer retaliação dos traficantes. Isso pode caracterizar um contato prévio dos militares com os bandidos ¿ explicou.

Bombas contra a revolta

Assim que saíram do enterro dos jovens, no cemitério São João Batista, em Botafogo, parentes e moradores da Providência protestaram em frente ao Comando Militar do Leste. Os manifestaram chegaram carregando faixas e pedindo justiça. Eles interditaram o trânsito da Avenida Marechal Floriano e jogaram pedras e pedaços de ferro nos cerca de 200 militares que faziam a segurança do Palácio Duque de Caxias. Em resposta, foram lançadas bombas de efeito moral. Houve muita correria entre os manifestantes e pedestres que seguiam para a Central do Brasil. Cerca de 200 PMs acompanharam a movimentação. Logo depois do protesto, tiros foram disparados na favela, mas não se sabe por quem.

¿ A comunidade está revoltada. Ninguém quer mais o Exército lá. Se eles continuarem, vai ter problema. Ninguém trabalha mais ¿ afirmou, indignado, Dinaldo Barbosa, irmão de Marcos.

Durante todo o dia, o comércio da região ficou fechado a mando dos traficantes. Até o Hospital dos Servidores do Estado não funcionou. Cinco linhas de ônibus tiveram seus itinerários alterados. Segundo a Viação Real, empresa responsável pelas linhas, 11 ônibus foram quebrados durante o fim de semana.