Título: Não basta punir, é preciso recuperar
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Fonte: Jornal do Brasil, 21/06/2008, Opinião, p. A8

Com a mesma discrição com que foi instalada em agosto do ano passado, a Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga a situação do sistema carcerário brasileiro vai chegando ao fim, depois de mais de 10 meses de trabalhos. Diferentemente de outras CPIs, que se alimentam dos holofotes da mídia e pouco (ou nada) produzem de resultados práticos, a comissão presidida pelo deputado Neucimar Fraga (PR-ES) seguiu rumo mais correto e, sem alarde, montou uma radiografia do caótico sistema prisional do país, tendo visitado 60 presídios em 18 Estados da Federação.

Está prevista para esta terça-feira a apresentação do relatório final, a cargo do petista Domingos Dutra (MA), com as conclusões dos parlamentares e uma série de proposições para tornar mais humano o cotidiano de homens e mulheres que cometeram crimes e que, além de pagarem pelo erro, deveriam ¿ dentro do espírito do direito ¿ ser recuperados pela e para a sociedade. Mas a realidade vivida por esse contingente, calculado em mais de 400 mil pessoas, demonstra que a ressocialização não passa de uma utopia.

Entre as graves constatações da CPI está a de que mais de 40% dos presos no país ainda não foram julgados. Enquanto aguardam a definição de seus destinos, superlotam cadeias, centros provisórios de detenção e delegacias. Muitos detentos, aliás, já deveriam estar nas ruas. A contratação de mais defensores públicos poderia agilizar sobremaneira o andamento dos processos judiciais, alguns dos quais dormitam há vários anos, esquecidos nas gavetas do Poder Judiciário. Nesse sentido, a CPI vai recomendar ao Conselho Nacional de Justiça que investigue os tribunais sobre a demora na divulgação de sentenças.

Estudiosos afirmam que a aplicação de penas alternativas (como a obrigação de reparar o dano e a prestação de serviço à comunidade) para crimes de menor gravidade também seria uma prática eficaz para reduzir a superlotação. A prisão, assim, ficaria reservada a quem realmente representa perigo e traz algum risco à sociedade.

Outra constatação dos parlamentares foi que apenas 20% dos presos trabalham e só 13% estudam. A lei de execução penal, no entanto, obriga as unidades prisionais a darem aos internos que não têm o primeiro grau completo a oportunidade de alcançar o diploma. A omissão do Estado, nesse caso, é um entrave a mais na busca pela ressocialização dos encarcerados. Sem escolaridade mínima e marcados pela passagem na cadeia, poucos têm a chance de um emprego digno e uma vida melhor depois de cumprirem pena.

A comissão vai apresentar ainda um ranking das piores prisões brasileiras, no qual consta a Penitenciária Vicente Piragibe, em Bangu ¿ cuja frágil segurança já havia sido denunciada em 2003, depois da revelação de que presos usavam e vendiam drogas livremente, e ainda se comunicavam através de celulares dentro da unidade. A questão da corrupção também será abordada no documento final da CPI, bem como os custos sociais e econômicos dos estabelecimentos, a violência dentro das instituições e a influência do crime organizado nos presídios.

Até mesmo o indiciamento de autoridades está previsto no documento final. Em pelo menos cinco Estados, juízes, secretários de segurança, diretores de presídio e advogados vão ser responsabilizados diretamente pelos problemas no sistema penitenciário. Medidas inteligentes e proposições firmes gestadas no Legislativo podem dar início à recuperação da população carcerária. É o que cobra a sociedade.