Título: Agências têm finalidade desviada
Autor: Exman, Fernando
Fonte: Jornal do Brasil, 09/06/2008, País, p. A3

Empresários pressionam Congresso para eliminar influência do governo nestas autarquias.

Se comprovada, a denúncia de que o governo teria atropelado a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para acelerar a venda da Varig evidenciará uma fragilidade do ordenamento jurídico nacional: a falta de independência e autonomia das agências reguladoras.

Empresários esperam que o recente escândalo aumente a pressão para que a legislação que trata da regulamentação das atividades dessas entidades tramite de forma mais rápida no Congresso. Duas propostas sobre o tema estão engavetadas. Como as eleições municipais centrarão a atenção de deputados e senadores no segundo semestre, no entanto, dificilmente a matéria será aprovada neste ano.

¿ É hora de avaliarmos o desempenho das agências, ver onde a legislação falhou e revisitar esse arcabouço regulatório ¿ alertou o presidente da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy. ¿ É o momento de fazer essa reflexão, pois esse projeto de lei está intimamente ligado ao investimento do setor privado.

Acusações a Dilma

Em entrevista concedida à imprensa na semana passada, a ex-diretora da Anac Denise Abreu acusou a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, de interferir na venda da Varig. Segundo Denise, a ministra teria impedido que a agência exigisse a documentação necessária para liberar o negócio. O governo nega. Argumenta que a Justiça gerenciou o processo de aquisição da companhia aérea pelo fundo americano Matlin Patterson e três empresários brasileiros. O assunto será apurado pelo Congresso.

¿ Esse fato é lamentável ¿ comentou o presidente da Associação Brasileira de Agências de Regulação (Abar), Wanderlino Teixeira de Carvalho. ¿ Mostra a interferência do Poder Executivo na Anac. A agência reguladora deve ser um ponto no centro de um triângulo equilátero, o qual tem em cada uma de suas extremidades o governo, o consumidor e as empresas. Deve funcionar assim para que a agência não seja capturada por ninguém. Nesse caso, no entanto, a agência foi capturada pelo governo.

Duas propostas sobre o tema tramitam no Congresso. Um é o Projeto de Lei 3.337/04, que consta do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e é de autoria do Executivo. O presidente da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), precisa decidir se coloca em votação ou recria uma comissão especial para analisar a matéria.

Normalmente, propostas só são colocadas na ordem do dia da Câmara quando há acordo entre os líderes partidários ou se são prioridades do governo. Para o líder do PT na Casa, deputado Maurício Rands (PE), o projeto pode enfrentar dificuldades para receber o crivo dos colegas.

¿ A aprovação da regulamentação das agências reguladoras pode ser uma conseqüência positiva desse episódio. Sou favorável à aprovação do projeto, que terá de passar por um rigoroso funil para entrar em pauta ¿ ponderou o petista.

Líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM) duvida das boas intenções dos governistas.

¿ Tenho poucas expectativas ¿ explicou. Não há disposição. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deveria usar toda a sua popularidade para fazer as reformas estruturais necessárias.

Virgílio e Teixeira de Carvalho preferem o outro projeto que trata do tema. Trata-se de proposta de emenda constitucional (PEC 81/03), de autoria do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) já aprovada em primeiro turno, mas que precisa ser votada novamente pelo Senado antes de ser enviada à Câmara e passar pela sanção presidencial. Para o presidente da Abar, a proposta do tucano é melhor.

Pega e não pega

¿ No Brasil, há lei que pega e lei que não pega ¿ cobrou Godoy. ¿ Por isso, o projeto da Câmara não resolve. Mudar a Constituição dá mais segurança.

O empresariado também critica o PL 3.337/04. Acha que o projeto menciona a autonomia financeira das agências sem descrever como se dará sua implementação. Assim, deixa brechas para que as agências fiquem subordinadas ao governo.

¿ Precisamos associar independência e autonomia a mecanismos de aferição de desempenho ¿ comentou. ¿ Deve-se ter critérios para a qualificação da indicação de dirigentes, para que eles sejam profissionais, mesmo que tenham ligações com partidos políticos. Esse é o contraponto à independência e à autonomia.