Título: As lições de uma derrota mundial
Autor: Rosa, Leda; Camarão, Rodrigo
Fonte: Jornal do Brasil, 03/08/2008, Economia, p. E1

Em nove dias, foram algo em torno de 160 horas passadas diante de papéis, números, percentagens, microfones e negociadores profissionais. A Rodada Doha, badalada por alguns como o marco numa nova era nas negociações multilaterais de comércio entre 153 países, afundou diante da divergência entre não mais que três. Passada a frustração inicial, as trocas de acusações e a caça aos culpados, o JB convidou cinco renomados negociadores, especialistas e diplomatas para analisar pontos da rodada, tentar responder perguntas e apontar caminhos. O resultado está nas próximas quatro páginas. Ainda do calor da frustração, o comissário europeu de Comércio, Peter Mandelson, conta ao JB os bastidores das negociações. Destaca: o desfecho estava tão próximo que foi difícil ouvir o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio, Pascal Lamy, declarar infrutífero o esforço. Mandelson ainda ressalta o empenho do Brasil. Professor da Universidade de São Paulo, Simão Davi Silber acha que Doha sucumbiu diante da agenda inicial muito ambiciosa. O cerne da divergência, o setor agropecuário, é historicamente protegido por questões de segurança nacional e onde lobbies protecionistas nos países ricos são comuns, lembra. O advogado Eduardo Felipe Matias, doutor em direito interncional, acredita que, mesmo aprovada, a rodada enfrentaria outros obstáculos tão difíceis quanto o consenso entre EUA, Índia e China. Era inevitável, diz, o choque entre países que se recusam a diminuir o protecionismo agrícola, como a França, e nações, como a Argentina, que resistem a cortar tarifas industriais. O Mercosul ganha destaque no artigo assinado pelo presidente Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), José Botafogo Gonçalves. No texto, assinado em co-autoria com Christiane Sauerbronn, mestre em relações internacionais pela Universidade Federal Fluminense (UFF), o embaixador alerta para a hora de Brasil e Argentina pensarem "seriamente" na definição de uma política comercial comum no continente. Para os dois autores, a "insatisfação argentina com relação às tarifas industriais deriva claramente de um problema de política interna, uma vez que a atual presidente entrou em conflito com os produtores agrícolas de seu país ­ único setor competitivo da economia ­ e agora não quer se indispor com o setor industrial". Em entrevista também exclusiva ao JB, o ex-ministro Rubens Ricupero salienta as diferenças comerciais entre Brasil e Argentina. Neste domingo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estará em Buenos Aires. Vai tentar de desfazer o mal-estar entre os dois países provocado em Genebra. O embaixador Marcos Azambuja escreve que não era nem a hora nem a vez de a Rodada Doha sair do papel. Apesar disso, acha que o comércio mundial não deixará de crescer com o fiasco, mas restará saber "se tudo o que até agora já estava alinhavado em Doha resistirá a essa longa pausa ou se será preciso, de uma maneira ou de outra recomeçar tudo da estaca zero". Isso só o futuro e a vontade política poderão responder.