Título: Em tese, Congresso volta ao trabalho
Autor: Correia, Karla
Fonte: Jornal do Brasil, 04/08/2008, País, p. A13

Campanha eleitoral e matérias polêmicas ameaçam desempenho do parlamento no semestre.

BRASÍLIA

Passado o período oficial de recesso parlamentar, uma agenda repleta de assuntos polêmicos aguarda o retorno, hoje, do Congresso ao trabalho, sem, contudo, ter muita chance de avançar além da discussão nas comissões. Aliado ao esvaziamento natural do Legislativo em período eleitoral por conta das campanhas nos municípios, entra em cena o peso político das matérias em questão para atrapalhar a discussão de uma pauta controversa.

É o caso, por exemplo, da reforma tributária. Relator da PEC que altera o regime tributário do país, o deputado Sandro Mabel (PR-GO) só vê chances da proposta chegar ao plenário a partir de outubro. O chamado esforço concentrado, que prevê sessões deliberativas da Câmara em duas semanas de agosto, mais outras duas em setembro, não seria suficiente para a apreciação da proposta, avalia o deputado.

- Depois das eleições, quando o Congresso voltar a trabalhar normalmente, a reforma deve ser o primeiro item da pauta - acredita Mabel, que conta ter passado todo o período de recesso viajando pelos Estados em busca de um consenso entre governadores, capaz de levar a PEC ao plenário com o mínimo de sobressaltos.

- Conseguimos acordos importantes com os municípios, conquistamos o apoio de parlamentares da oposição e atendemos a reivindicações de peso dos Estados - diz o parlamentar.

Equalização

Segundo ele, um dos pontos da reforma mais cobrados pelos governos estaduais, o Fundo de Equalização de Receitas (FER), que deve garantir os Estados contra eventuais perdas da transposição de cobrança do ICMS da origem para o destino, foi praticamente redigido pelos secretários estaduais de Fazenda, de forma a levar ao plenário da Câmara a proposta mais próxima possível de um consenso.

Por reivindicação dos Estados, o FER não precisará de lei complementar para entrar em vigor. A questão era uma exigência dos governadores, que temiam ver o fundo transformado em algo parecido com a Lei Kandir, criada em 1996 para isentar do ICMS mercadorias destinadas à exportação, mas até hoje sem uma regulamentação que compense os Estados pelas perdas provocadas pelo incentivo fiscal. No relatório preparado por Mabel, a mudança na incidência do ICMS só poderá entrar em vigor se o FER estiver implementado.

Ainda assim, há uma pedra no caminho da reforma suficiente para tirar as esperanças de ver a matéria aprovada na Câmara antes do período de eleições. De acordo com Mabel, 23 Estados concordaram em manter os benefícios fiscais já concedidos a empresas em contratos anteriores à reforma. Três são neutros e um ¿ São Paulo, dono da maior bancada na Câmara ¿ é contrário à proposta. O que, na avaliação do relator, seria suficiente para travar as discussões.

¿ Sobretudo em período eleitoral, a posição de São Paulo é capaz de enterrar a reforma tributária ¿ diz. ¿ Será necessário prolongar as discussões até levar a matéria ao plenário.

Conflito de interesses

Em ano eleitoral, parlamentares estão mais voltados para matérias de grande potencial político ¿ como o fim do fator previdenciário ¿ que normalmente desagradam o governo. O que põe o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP) em situação complicada ao tentar equilibrar uma agenda rica em votações nos períodos de esforço concentrado em um ambiente onde os interesses do Congresso e do Palácio do Planalto são diametralmente opostos.

As matérias vistas como "moralizantes" como a mudança no rito das medidas provisórias ¿ louvada como a panacéia para os males que afetam a produtividade do Congresso ¿ e a imposição de limites para as escutas telefônicas legais são a aposta para o período. Prioridade zero na agenda das duas Casas do Parlamento, a PEC que limita a edição de MPs está pronta para ir ao plenário da Câmara e deve ser votada nas semanas de esforço concentrado, aposta o relator da matéria, deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ).

¿ O presidente da Câmara já se antecipou e garantiu que incluirá a proposta na pauta de votações na primeira janela de oportunidade ¿ assegura.

Picciani, contudo, admite a existência de alguns obstáculos à aprovação da matéria. De olho em uma possível alternância de poder no Palácio do Planalto em 2010, o PSDB, por exemplo, insiste em manter a possibilidade de edição de medidas provisórias para créditos extraordinários. O chamado bloquinho da Câmara (PSB, PDT e PC do B) discorda da exigência de maioria absoluta para a reversão de pauta no plenário, recurso que tiraria, em tese, o poder de uma MP trancar a pauta de uma Casa parlamentar.

No embate de interesses no Congresso, durante as eleições, o governo tende a sair perdendo. Dará trabalho, por exemplo, levar deputados ao plenário da Câmara para votar a regulamentação da Emenda 29, que aumenta os recursos destinados para a Saúde, mas ressuscita a CPMF sob a forma da Contribuição Social para a Saúde (CSS).

Um líder governista com trânsito no Palácio do Planalto reconhece que são mínimas as chances de uma matéria que cria um novo imposto emplacar antes de encerrado o período eleitoral. Por outro lado, para desespero do governo, a extinção do fator previdenciário é prioridade no plenário da Casa. Relator da matéria na Câmara, o deputado Germano Bonow (DEM-RS), já se disse favorável à mudança.