Título: Mais autonomia para o Banco Central?
Autor: Carlos Roberto Innig
Fonte: Jornal do Brasil, 23/02/2005, Economia, p. A18

Mesmo com seu presidente imunizado com o status de ministro, o atual Banco Central luta por mais autonomia, conquanto seja o órgão mais poderoso do país. Aumenta os juros e, a cada 0,5% a mais na Selic, encarece a dívida em R$ 6 bilhões. Em 30 dias foram R$ 12 bilhões. Até Gustavo Franco já ensina: a dívida de hoje é o imposto de amanhã. Logo, o BC é o maior criador de impostos e o mais livre. Nada de Congresso, MP, orçamento e noventena. Decide e quem discutir passa por ignorante. Até o vice José Alencar calou. Subisse a Selic 0,43 e já lhe sobraria o necessário para equipar a Aeronáutica. Estes R$ 12 bilhões são o dobro do que pedira o ministro Adib Jatene para aquela CPMF da saúde. Conseguiu o imposto mas não levou o recurso. Hoje o Banco Central impõe este ônus num intervalo de 30 dias, manda a renda para os aplicadores e a conta aos empreendedores.

O presidente da República sonhou com R$ 5 bilhões para seu plano de combate à fome. Mas nem ele, o mais votado brasileiro, pôde redirecionar recursos. Ministros e Congresso então, nem pensar: o orçamento é intocável e contingenciado para garantir o pagamento dos juros da dívida, que cresce pelo seu efeito e não pelo aporte de novos capitais.

Dizer que os juros precisam ser elevados para manter o capital é uma falácia. Nada de trágico aconteceria com o fluxo de capitais se os juros baixassem. Que outra opção? A exemplo da Argentina, a maioria dos recursos que vão e vem é dos próprios brasileiros ou de empresas ligadas ao país. As CC5 carregaram rios de dinheiro para fora, que voltam travestidos de fundos estrangeiros para aproveitar os altos juros. Qualquer gerente de boa agência do Banco do Brasil sabe que se o juro baixar para todo o mercado, o dinheiro dos clientes ficará aplicado onde está.

¿Mudar para onde?¿ me respondia um cliente do Banco do Brasil com milhões aplicados, sempre que o juro baixava. O Banco Central manda seus juros para baixo, todos caem e ninguém muda. As taxas do Fed americano ou dos ricos da zona do euro são insignificantes e ninguém vai sair daqui a comprar títulos do México, da África do Sul ou da China.

Como até o presidente da República e seu ministro-chefe começam a desconfiar, a dialética do juro preventivo mais alto do mundo foi buscar fôlego na assombração do descontrole inflacionário. Como se a inflação fosse de demanda e não sofresse o efeito dos impostos inchados para atender ao serviço da dívida. Ou como se houvesse o risco de o investidor orientar a mulher para comprar mais geladeiras, carros, cobertas de mesa, pois o juro não é mais tão compensador. Ou como se o governo não tivesse competência para conversar com o país sobre alternativas.

Está mais do que na hora de os empresários estimularem as universidades a desafiar seus mestres a duvidar desta lógica única de que só se cuida da moeda com política de juros. Mestre Simonsen, se tivesse sete vidas, teria morrido sete vezes ao ver seus descendentes perseverarem nesta política que só interessa à dominação do país, que se entrega e se dobra numa guerra que não precisa de um único tiro. Simonsen e Delfim, quando precisavam restringir a demanda, aumentavam o compulsório e o IOF sobre empréstimos. Ok, os empresários sofrem com mais imposto e menos capital para empréstimo. Mas era uma ação menos perversa, favorecia o país e não apenas engordava oportunistas financeiros.

Política monetária predominantemente à base de juros é receita para país rico e forte, em que a decisão não represente um tiro maior no próprio pé do que no inimigo a combater. Pobres economistas se forem condenados a defender que só se protege a estabilidade da moeda pagando continuamente juros com o dinheiro que não se tem. O juro atual é o pão, a educação, a saúde e a liberdade que se tira do brasileiro hoje e amanhã. Aquele Fórum Mundial de Porto Alegre serviria muito mais ao social do Brasil se tivesse perguntado: outra política monetária é possível?