Título: Brasil vive onda de crescimento
Autor: Barrionuevo, Alexei; Galanternick, Mery
Fonte: Jornal do Brasil, 01/08/2008, Economia, p. A18

Geração de empregos, aumento da renda e crédito fácil mostram que país está imune à crise

Alexei BarrionuevoMery Galanternick

THE NEW YORK TIMESFORTALEZA

Louca para escapar da vida difícil em uma das regiões mais pobres do Brasil, Maria Benedita Sousa usou um pequeno empréstimo há cinco anos para comprar duas máquinas de costura e começar o próprio negócio fazendo roupas íntimas femininas. Hoje, Sousa, mãe de três filhos, que começou a trabalhar numa fábrica de jeans e ganhava salário mínimo, emprega 25 pessoas numa modesta fábrica de duas salas que produz 55 mil pares de roupas íntimas de algodão por mês. Sousa comprou e reformou a casa para a família e agora pensa em comprar o segundo carro. A filha dela, que estuda para ser farmacêutica, pode ser a primeira da família a terminar a faculdade.

¿ Você não pode imaginar a felicidade que estou sentindo. Sou uma pessoa que veio do campo para a cidade. Batalhei muito e, hoje, meus filhos estudam, um na faculdade e dois na escola. É um presente de Deus ¿ conta Sousa, 43, na empresa chamada Big Mateus, o nome de um filho.

Hoje, o país dela se levanta da mesma forma. O Brasil, maior economia da América do Sul, se encontra finalmente equilibrado para pôr em prática o potencial, antecipado há muito tempo, como um player global, dizem economistas, uma vez que o país passa pela maior expansão econômica em três décadas.

O crescimento é sentido em quase todas as partes da economia, criando nova classe de super-ricos enquanto pessoas como Sousa sobem para a classe média em expansão.

Posição favorável

O crescimento também deu ao Brasil maior poder de barganha em negociações comerciais com os EUA e Europa. Depois de sete anos, as discussões fracassaram esta semana com as demandas de Índia e China por salvaguardas para agricultores, um sinal claro do poder cada vez maior das economias emergentes.

Apesar do temor dos investidores em relação à tendência esquerdista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando foi eleito em 2002, ele demonstrou um tom moderado quando tratou de economia interna, ao evitar impulsos populistas como dos líderes na Venezuela e Bolívia.

Em vez disso, estimulou o crescimento do Brasil por meio de uma combinação hábil de respeito por mercados financeiros e programas sociais específicos, que estão tirando milhões de pessoas da pobreza, explica David Fleischer, analista político e professor da Universidade de Brasília. Sousa é uma das beneficiárias.

¿ Há muito tempo conhecido pela má distribuição de renda, o Brasil diminuiu a diferença de rendas em 6% desde 2001, mais do que qualquer outro país na América do Sul esta década ¿ observa Francisco Ferreira, economista líder do Banco Mundial.

¿ Enquanto os 10% dos brasileiros mais bem-pagos viram a renda cumulativa crescer em 7% de 2001 a 2006, os 10% com menor renda viram-na subir 58% ¿ destaca Marcelo Cortes Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro.

¿ Mas o Brasil também está gastando mais do que a maioria dos vizinhos latino-americanos em programas sociais, e os gastos públicos em geral continuam a ser quase quatro vezes maiores do que os do México em relação à percentagem de seu produto nacional bruto ¿ disse Ferreira.

Mesmo assim, a expansão econômica deve durar. Enquanto os Estados Unidos e partes da Europa enfrentam recessão e crises imobiliárias, a economia do Brasil mostra poucas das vulnerabilidades das outras nações emergentes.

O Brasil diversificou muito a base industrial, tem potencial enorme para expandir o setor agrícola em ascensão para campos virgens e conta com tremendo pool de recursos naturais não aproveitados. Novas descobertas de petróleo vão pôr o Brasil na categoria dos maiores produtores de petróleo do mundo na próxima década.

Enquanto as exportações de commodities como petróleo e produtos agrícolas foram responsáveis pelo recente crescimento, o Brasil está cada vez menos dependente deles, dizem economistas, tendo a vantagem de um mercado interno enorme ¿ 185 milhões de pessoas ¿ que cresceu com o sucesso de pessoas como Sousa.

Na verdade, com uma moeda mais forte e a inflação, na maioria das vezes, sob controle, os brasileiros fazem uma farra de consumo, motor principal da economia, que cresceu 5,4% no ano passado.

As pessoas estão comprando produtos brasileiros e uma enxurrada de importados. Muitas empresas deixaram o crédito mais flexível para permitir que os brasileiros paguem por refrigeradores, carros e até cirurgia plástica em anos em vez de meses, apesar de algumas das taxas de juros mais altas do mundo. Em junho, o país teve 100 milhões de cartões de crédito emitidos, alta de 17% em relação ao ano passado.

Nas Casas Bahia, o número de consumidores que compram itens à prestação quase triplicou para 29,3 milhões de 2002 a 2007, revela Sonia Mitaini, porta-voz da empresa.

Outros sinais da nova abundância de renda. Em Macaé, cidade rica em petróleo próxima ao Rio de Janeiro, os empreiteiros correm para terminar novos shoppings e casas luxuosas para atender à demanda de novas firmas de serviços de petróleo. Num porto em Angra dos Reis, cidade conhecida pelas ilhas espetaculares, 25 mil trabalhadores encontraram empregos construindo novas plataformas de petróleo.

A Petrobras surpreendeu o mundo em novembro quando anunciou que o campo em Tupi próximo à costa do Rio de Janeiro pode ter de cinco a oito bilhões de barris de petróleo. Analistas acham que pode haver bilhões de outros barris nas áreas do entorno, deixando o Brasil em segundo lugar, perdendo apenas para a Venezuela, na exploração de petróleo na América Latina.

Como o petróleo vai ser caro e complicado para extrair, a Petrobras espera produzir até 100 mil barris por dia em Tupi até 2010, e espera produzir até um milhão de barris por dia em cerca de uma década. A descoberta do petróleo leva a um boom de investimento no Rio de Janeiro, com estimados R$ 107 bilhões que devem circular no Estado até 2010, de acordo com o governo do Rio. Só a Petrobras espera investir US$ 40,5 bilhões até 2012.

Otimismo

¿ Alguns economistas dizem que a desaceleração da economia do resto do mundo, principalmente na Ásia, que absorve grande parte das exportações brasileiras de soja e minério de ferro, poderia prejudicar o crescimento brasileiro. Mas essa probabilidade é pequena ¿ analisa Alfredo Coutino, economista sênior para América Latina do Economy.com da Moody"s.

Na verdade, o fato de a economia brasileira ter se tornado tão diversificada nos últimos anos, o país está menos suscetível a uma dor de cabeça com a economia em frangalhos dos EUA, diferente de muitos outros na América Latina.

As exportações brasileiras do Brasil para os EUA representam apenas 2,5% do produto nacional bruto (PNB) do Brasil, comparado com 25% do PNB das exportações mexicanas, de acordo com a Moody"s.

¿ O que torna o Brasil mais elástico é que o resto do mundo se importa menos ¿ afirma Don Hanna, diretor da economia de mercados emergentes do Citibank.

Contudo, o resto do mundo certamente ajudou. Preços cada vez maiores de minerais pelo mundo e outras commodities criaram nova classe de super-ricos. O número de brasileiros com fortunas líquidas que excedem US$ 1 milhão cresceu 19% no ano passado, terceiro atrás de China e Índia, de acordo com uma pesquisa da Merrill Lynch e CapGemini.

Ao mesmo tempo, Lula aprofundou muitos programas sociais iniciados há 10 anos no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, que introduziram muitas das reformas estruturais que construíram as bases do crescimento estável do Brasil hoje.