Título: Aquele abraço
Autor: Correia, Karla
Fonte: Jornal do Brasil, 31/07/2008, País, p. A15

Sem mágoa, Gil deixa o governo para dedicar-se integralmente ao que gosta: compor e cantar

Karla Correia

BRASÍLIA

O ministro da Cultura, Gilberto Gil, deixou, ontem, o cargo para dedicar-se exclusivamente a sua carreira de cantor e compositor, atividade que vinha ocupando porção crescente de sua agenda desde o início do segundo mandato do governo Luiz Inácio Lula da Silva. O secretário-executivo da pasta, Juca Ferreira, deve substituí-lo no comando do ministério. Ferreira é filiado ao Partido Verde.

Um dos últimos remanescentes da equipe ministerial montada em 2003, quando Lula assumiu a Presidência da República, Gil já havia demonstrado vontade de se afastar do governo outras duas vezes.

¿ Desde o fim do primeiro mandato que já era essa a intenção ¿ disse Gil ontem em entrevista coletiva concedida depois de reunião com o presidente Lula em seu gabinete no Palácio do Planalto.

Tratamento

Em 2007, o músico citou a necessidade de tratamento de um pólipo na garganta para afastar-se do cargo, mas o presidente o convenceu a permanecer no ministério. Ainda haveria mais uma conversa com Lula no fim do mesmo ano, por conta da pressão da carreira artística sobre a agenda política.

¿ Dessa vez, o presidente estava mais tranqüilo em encontrar uma equipe mais azeitada e treinada no ministério e estava também mais sensível às minhas questões pessoais que me levaram a discutir pela terceira vez o meu afastamento do cargo ¿ explicou. ¿ Me afasto por motivos pessoais, mas com um ar de saudade.

O cantor e o ministro

Gilberto Gil admitiu que a vida artística estava aos poucos "desequilibrando" a proporção que ele mesmo impôs à sua agenda para conciliar a carreira de cantor com as obrigações oficiais. Segundo ele, a idéia era de manter 80% de seu tempo destinado aos compromissos de ministro e outros 20% para a vida artística.

¿ Nos últimos tempos, a tendência era que a balança pendesse para a agenda artística ¿ reconheceu.

No entanto, se disse pouco afetado pelas críticas sobre sua extensa lista de compromissos e shows e afirmou que não houve "nada de absurdo" em suas ausências no comando da pasta. No último dia 27, Gilberto Gil retornou ao ministério depois de 40 dias de licença que usou em uma turnê de apresentações em sete países da África e da Europa. Segundo Gil, foi no regresso da turnê que ele tomou a decisão definitiva de voltar a conversar com Lula sobre sua saída do governo.

¿ Não me incomodam muito as críticas porque eu não me sinto responsabilizado.

Bem humorado e sem queixas, depois de 1h30 de reunião no gabinete presidencial, a única ressalva que Gil fez a sua gestão no governo Lula foi não ter conseguido atingir o nível de 1% do Orçamento Geral da União na destinação de recursos para ações de sua pasta. O ministro destacou entre suas realizações o programa Mais Cultura ¿ apelidado de "PAC da Cultura" ¿ que destina R$ 4,7 bilhões até 2010 para ações do setor em todos os Estados e o lançamento do Plano Nacional da Cultura, ainda em tramitação no Congresso, que pretende servir de marco regulatório para as políticas públicas para o setor cultural.

Acompanhado todo o tempo por sua mulher, Flora, Gilberto Gil elogiou o governo Lula e comparou sua administração à música Refazenda.

¿ O governo do presidente Lula tem a capacidade de fazer o país compreender a transformação, é uma refazenda extraordinária ¿ disse o ministro, cantarolando o verso de sua música: "Amanhã será tomate, anoitecerá mamão". E brincou:

¿ Eu cederia Refazenda como jingle para o presidente Lula.

Substituição

Apesar da afirmação de Gilberto Gil sobre a permanência de Juca Ferreira como seu substituto efetivo no comando do Ministério da Cultura, ainda persistem especulações sobre a possibilidade de outros nomes para o titular da pasta. O ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Marcos Vilaça e a filósofa Marilena Chauí estariam no páreo para ocupar o cargo de ministro.

Um dos motivos seria o fato de Ferreira ser filiado ao PV, o que desagradaria o PT, que perderia um posto de comando na Esplanada dos Ministérios. Outra questão seria as supostas desavenças entre Juca Ferreira e o secretário de Identidade e Diversidade Cultural, Sérgio Mamberti. Gilberto Gil, contudo, reafirmou a intenção de fazer Ferreira seu sucessor.

¿ O presidente Lula gosta dele e já demonstrou intenção de efetivá-lo no cargo ¿ reforçou.

A decisão só deverá acontecer depois da viagem do presidente Lula à China para participar da abertura dos Jogos Olímpicos, em 8 de agosto.