Título: Andar com fé
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 01/08/2008, Caderno B, p. B1

Artistas e personalidades da cultura analisam a gestão do ministro e apontam seus erros e acertos nos últimos quatro anos

Braulio Lorentz, Monique Cardoso, Rachel Almeida, Renata Ramos e Ricardo Schott

De um lado, aplausos para a projeção dada ao setor cultural, a descentralização e a democratização das iniciativas de seu ministério. Do outro, vaias para a falta de diálogo com os artistas, desgaste com a classe cinematográfica e a divisão entre duas atividades aparentemente incompatíveis (compositor e funcionário público). Com a notícia, divulgada anteontem, da saída de Gilberto Gil do cargo de ministro da Cultura, artistas, produtores e gestores destacaram ao Jornal do Brasil os erros e acertos de Gil durante sua passagem pelo cargo. Entre exaltações incondicionais e ressalvas por vezes contundentes, ao menos uma opinião é (quase) unânime: foi um ministro que, enfim, deu visibilidade à área da cultura.

¿ Gil deu exposição ao ministério, conseguiu recursos, harmonizou e não fez politicagem ¿ considera o jornalista e produtor Nelson Motta, ecoando o pensamento de vários entrevistados.

Para Motta, Gil foi "o melhor dos ministros". O músico Wagner Tiso concorda com o aumento da projeção do ministério, mas nem tanto com os elogios:

¿ Sobre a gestão já é outra conversa. Ele distribuiu melhor a cultura pelo país todo. Mas, como figura da cultura, não abriu diálogo com a classe artística.

A maior projeção da produção cultural brasileira no exterior, através de um extenso calendário de viagens, foi bem vista por vários entrevistados.

¿ O Ano do Brasil na França, do qual participei junto a Gil, foi um momento memorável ¿ afirma o maestro Isaac Karabitchevsky.

Diretor do Goethe-Instiut do Rio, Alfons Hug destaca:

¿ Durante a Copa da Alemanha, em 2002, o Brasil foi o único país a organizar eventos culturais.

Dependendo da atividade exercida, o calor dos elogios ¿ e a frieza das críticas ¿ aumenta. A turma do teatro, por exemplo, não sentirá saudades do ministro.

¿ Gil não fez absolutamente nada nesse ministério, mas a culpa não foi dele ¿ espinafra o ator e diretor Domingos Oliveira. ¿ O que eu tenho a dizer é "Parabéns por ter saído e boa sorte".

A atriz Maria Padilha é contundente, mas relativiza:

¿ A situação está difícil para a classe teatral. Mas não é justo crucificar o Gil sem saber se os problemas são do MinC ou do governo Lula de uma forma geral.

Quem trabalha na gestão de museus e centros culturais tem uma avaliação bem mais generosa.

¿ A entrada de Gil deu uma levantada na Funarte. A fundação voltou a atrair artistas jovens, como havia feito no passado ¿ nota Fernando Cocchiarale, ex-curador do Museu de Arte Moderna.

Diretora do Museu da República, Magaly Cabral faz eco:

¿ Sua gestão deu um salto qualitativo. Várias medidas nos ajudaram, como a política nacional de museus.

Entre os escritores, a decepção foi um tanto maior.

¿ Literatura e governo nunca caminharam juntos no Brasil ¿ comenta o romancista Antônio Torres. ¿ Gil privilegiou mais a cultura popular e de massas em detrimento da cultura literária.

Uma das principais polêmicas protagonizadas por Gil foi a questão da Ancinav, a natimorta Agência Nacional do Cinema e Audiovisual. Houve muito bate-boca com diretores e produtores nos anos de 2004 e 2005 ¿ com acusações de que o governo Lula estaria tentando manter rédeas curtas na produção de cinema e TV. No fim, a idéia da Agência acabou engavetada.

¿ Eu fazia parte do conselho do ministério naquela época e votei contra a criação da Ancinav. Foi o lado negativo da passagem do Gil ¿ lembra o cineasta Roberto Farias. ¿ Mas reconheço que ele mudou a cara do ministério.

Outro membro proeminente da categoria cinematográfica, o produtor Luiz Carlos Barreto é mais benevolente:

¿ O Gil enquanto ministro fez uma grande gestão. Teve uma grande performance, digna do grande artista que é.

Por falar em grande artista, muita gente fez questão de ressaltar que, por vezes, o cantor e compositor tomou o tempo do burocrata.

¿ Trabalhando em tempo parcial, Gil fez mais coisas do que seu antecessor ¿ defende o escritor Affonso Romano de Sant"Anna.

A apresentadora Lucia Leme relembra:

¿ Gil disse que seu trabalho seria 20% voltado para a música e 80% para o ministério. Acabou que a música tomou um espaço maior nessa divisão.

O cartunista Jaguar foi mais enfático.

¿ Acho que Gil é melhor como músico do que como ministro. Não que tenha sido um mau ministro, mas seu mérito foi não ter piorado o que já existia.

A atriz Rosamaria Murtinho soltou o verbo:

¿ Que saia o Gil e entre alguém que trabalhe e não tenha medo de fazer o que é preciso.

No fim, o sentimento da classe pode ser bem resumido na declaração do crítico musical Ricardo Cravo Albin:

¿ Acho que ele entendeu que a hora de sair era oportuna.

Juca Ferreira deve ser confirmado para substituir Gil.

¿ Fico interino até o presidente Lula voltar da China ¿ disse Ferreira, ontem à tarde.