Título: Anarquistas tentam sair do túmulo
Autor: Bruno, Raphael
Fonte: Jornal do Brasil, 03/08/2008, País, p. A15
Corrente que é contra o governo central busca ocupar espaço abandonado pela esquerda
Raphael Bruno
BRASÍLIA
Afastado do cenário político e ideológico brasileiro há décadas, o anarquismo, corrente de pensamento que defende a ausência de governo central e a auto-gestão da produção econômica pelos trabalhadores, tenta ressurgir no país apostando em movimentos sociais tradicionalmente negligenciados pela esquerda partidária. Inspirados por experiências internacionais, entidades de orientação anarquista vislumbram recuperar um pouco da força política que um dia tiveram no Brasil. As poucas centenas de militantes anarquistas que hoje atuam em meia dúzia de entidades mal lembram o peso político que o movimento já teve no país. No começo do século XX, impulsionado pela imigração de trabalhadores europeus, o anarquismo dominava os círculos operários. Por anos, esteve à frente das principais greves e mobilizações sindicais. Nova realidade A maré começou a mudar com a Revolução Russa de 1917. A experiência vitoriosa soviética despertou a atenção de operários brasileiros para o papel que um partido organizado poderia desempenhar na conquista do poder. Com o surgimento do Partido Comunista Brasileiro, em 1922, os anarquistas perderam quadros valiosos para as fileiras comunistas. O golpe final ao movimento viria com o Estado Novo de Getúlio Vargas. Além da repressão aberta às organizações libertárias, o movimento de cooptação de sindicatos por parte do Ministério do Trabalho getulista limitaria a influência anarquista futura sobre o operariado brasileiro a quase nada. Aversos a qualquer espécie de negociação de demandas por vias institucionais, os anarquistas defenderam a formação de sindicatos exclusivos e acabaram perdendo espaço entre os trabalhadores brasileiros, deslumbrados com a possibilidade de, pela primeira vez, assistir a algumas das suas reivindicações se tornarem legislação oficial. O movimento anarquista sobreviveria de maneira marginal em pequenos grupos de estudos culturais isolados durante as décadas de 1950, 1960 e 1970. Como toda organização de esquerda que se pretendia revolucionária, seriam perseguidos até a semi-extinção pela ditadura militar. Renascimento Na década de 1980, com a aber- tura política, a insistente recusa a se envolver em algumas novas organizações dos trabalhadores ainda deixariam o movimento incapaz de exercer qualquer influência política. Os poucos militantes anarquistas organizados daqueles anos, por exemplo, optaram por não se envolver com a criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT). O renascimento do movimento no Brasil viria em meados da década de 1990, quando começam a pipocar em todo o país tentativas de reorgarnizar os militantes anárquicos. As experiências do Exército de Libertação Nacional (ELN), organização autônoma indígena mexicana inspirada no líder revolucionário Emiliano Zapata, e dos piqueteiros, desempregados e moradores da periferia argentina que saíram às ruas para derrubar diversos presidentes em seguida, reacenderam a esperança anarquista por aqui também. Hoje, os anarquistas organizados se reagrupam em entidades que enfrentam o desafio de reerguer a ideologia simbolizada pela letra "A" dentro de um círculo. Essa fragmentação é muito comum nas organizações de esquerda. Basta ver os partidos de orientação marxista explica Leonardo Santos, professor de Geografia e um dos responsáveis pela área de relações nacionais da Federação Anarquista Gaúcha (FAG), principal organizadora do Fórum Anarquista Organizado (FAO), que tem ainda entidades da Bahia, Mato Grosso e Alagoas. Santos revela que a FAO tem uma sede pública no centro de Porto Alegre e contabiliza hoje cerca de 50 militantes. Apesar do número aparentemente inexpressvo, se comparado com os maiores partidos brasileiros que ultrapassam a marca de um milhão de filiados, Santos diz que a FAG é uma das maiores organizações anarquistas não só do Brasil, mas de toda a América Latina. Temos critérios rigorosos de ingresso, tentamos construir qualidade disse. Não fazemos propaganda de filiação. O anarquismo praticamente não existe hoje no Brasil. Nossa luta é para que ele volte a existir tanto no nível político quanto ideológico. A principal tarefa hoje é estar presente.