Título: Os leilões das usinas do Rio Madeira
Autor: Castro, Nivalde J. de
Fonte: Jornal do Brasil, 10/08/2008, Opinião, p. A11

PROFESSOR DO INSTITUTO DE ECONOMIA DA UFRJ E COORDENADOR DO GRUPO DE ESTUDOS DO SETOR ELÉTRICO (GESEL)

Para as próximas décadas as perspectivas da economia mundial são de crise na área da energia. Crise identificada pelo descompasso entre o crescimento da demanda e a incapacidade da oferta acompanhar o ritmo de expansão do PIB mundial, em especial do petróleo que é a base da matriz energética. O resultado mais imediato e visível desta crise é a volatilidade e recordes no preço do barril do petróleo. Os países buscam alternativas para blindar suas economias das incertezas geradas pela crise energética, tais como, estímulo às fontes alternativas ¿ biomassa, eólica, solar ¿ retorno da energia nuclear, gás natural, eficiência energética, carvão mineral etc.

Neste cenário mundial de crise energética o Brasil apresenta condições extremamente favoráveis dadas as recentes descobertas de campos petrolíferos e ao potencial de hidroeletricidade ainda existente. Este potencial de recursos energéticos dará ao Brasil condições de maior competitividade e vantagens relativas na economia mundial que deverão garantir maior viabilidade e estabilidade no desenvolvimento econômico.

Na área da energia elétrica, o Brasil dispõe atualmente de cerca de 160.000 MW de potencial hidroelétrico a ser explorado, sendo que 60% deste total esta na região da Amazônia. Hoje cerca de 700 usinas hidroelétricas tem capacidade instalada de 80 mil MW. Estes números indicam claramente que o Brasil poderá atender a sua demanda futura de energia elétrica usando este potencial. As condições que permitiram, no passado, construir um dos melhores sistemas elétricos do mundo, baseado na hidroeletricidade, energia renovável e não-poluidora, mudaram radicalmente a partir da Constituição de 1988. O novo marco legal impôs uma legislação ambiental extremamente rígida, mas necessária para garantir qualidade de vida das futuras gerações. A nova lógica ambiental é baseada na premissa de que se pode construir usinas, mas deve-se minimizar ao máximo o impacto ambiental, em especial a formação de grandes reservatórios, que tornam inutilizável grandes áreas geográficas.

Desde a implantação da nova legislação ambiental até 2003, o setor elétrico passou por profundas transformações na sua estrutura de organização, tendo como objetivo maior a privatização das empresas estatais. Este objetivo canalizou a maioria dos investimentos para a compra das empresas estatais e muito pouco para a construção de novas usinas, fazendo com que a legislação ambiental não fosse aplicada e consolidada. Este fato explica os contínuos atrasos e entraves na construção das novas e poucas usinas hidroelétricas que não conseguiam obter as licenças ambientais nos prazos previstos.

Neste processo de consolidação da legislação ambiental, os leilões das duas usinas do complexo do Rio Madeira localizado na Amazônia são um marco ambiental e econômico. Os estudos para o aproveitamento hidroelétrico deste rio foram iniciados em 2001 pela construtora Odebrecht e Furnas, empresa do grupo Eletrobrás. Estimava-se inicialmente a construção de usinas com potencia bem superior aos 6.400 MW do projeto final, resultado das restrições das novas regras ambientais. A realização dos leilões da Usina de Santo Antônio (dezembro de 2007) e de Jirau (junho de 2008) significam, concretamente, o avanço da "fronteira de energia elétrica" para a região Amazônica, onde esta o maior potencial hidroelétrico do Brasil. Os leilões abrem condições para novos investimentos em usinas e linhas de transmissão que irão dar mais sustentação ao crescimento da economia brasileira. A grande surpresa dos leilões foram as tarifas resultantes situadas na faixa de R$ 78 e R$ 72 por MWh, valores um pouco acima da energia comprada hoje de Itaipu. Estes resultados criaram novos parâmetros para as tarifas das novas usinas na Região Amazônica que irão impactar positivamente toda a economia brasileira.

A vitória do consórcio liderado pela Odebrecht no leilão da usina de Santo Antônio era esperada, já que ele foi o responsável pelos estudos do aproveitamento hidroelétrico. Assim prevaleceu o favoritismo do consórcio que detinha conhecimento minucioso de seis anos versus os seis meses que os consórcios concorrentes tiveram para estudar o projeto. No leilão da Usina de Jirau, a surpresa foi a vitória do consórcio comandado pelo grupo multinacional Suez. Este consórcio entendeu que o objetivo dos leilões: estimular o espírito empreendedor, inovador e a concorrência, base do processo competitivo que está na raiz da lógica do capitalismo. A Suez identificou a possibilidade de construir uma usina diferente da proposta pelos estudos da Odebrecht, distante 9 Km. Este novo projeto apresenta condições bem melhores, seja pela redução no custo da obra em R$ 1 bilhão, seja por permitir antecipar o inicio da geração de energia em quase dois anos, energia que será vendida para os grandes consumidores garantindo recursos que irão diminuir a necessidade de financiamento. A Odebrecht, mesmo contra a posição do seu sócio maior Furnas, pretende levar o caso para a justiça. No entanto, o governo sinalizou que usará todos os recursos disponíveis para que a construção desta nova usina não sofra atrasos, pois deve prevalecer o interesse maior da sociedade brasileira: mais energia elétrica a menores tarifas. Este binômio é um dos pilares do desenvolvimento econômico em curso.