Título: Discussão extemporânea
Autor: Passarinho, Jarbas
Fonte: Jornal do Brasil, 12/08/2008, Opinião, p. A9

escritor

O presidente Figueiredo ao encerrar o ciclo militar iniciado em março de 64, decidiu conceder anistia aos envolvidos na luta armada comunista derrotada. A oposição, em campanha no Parlamento e nas ruas, exigia anistia ampla, geral e irrestrita. Os crimes de sangue eram um obstáculo ao pleito barulhento dos vencidos. O texto aprovado incluiu na anistia os crimes conexos, assim entendidos os de terrorismo e de atentados pessoais, exceto se os autores já estivessem condenados. A exceção foi considerada inaceitável, pela oposição, pois não atendia o pleito de anistia adjetivada, por não ser ampla e irrestrita. Entretanto o projeto era mais amplo, quanto aos direitos políticos, que o substitutivo apresentado pela oposição, que só beneficiava os atingidos a partir do Ato Institucional de 9 de abril de 1964.

Ora, antes o governo de poucos dias foi exercido por uma junta militar que cassou a nata dos militares e políticos mais tidos como responsáveis pela "pré-revolução e o golpe preventivo" (classificação de Gorender) ou contra-revolução de 31 de março (como a denominou o general Aurélio de Lyra Tavares). Entre líderes políticos, figuravam Leonel Brizola, Miguel Arraes e Luiz Carlos Prestes, já cassados antes do Ato Institucional.

Não seriam beneficiados pelo substitutivo apresentado pela oposição e cujo primeiro signatário era Ulysses Guimarães. Thales Ramalho, Secretário do MDB, reconheceu que o texto governamental era mais amplo. Dizia-se, na Arena, que fora intencional a oclusão dos líderes do MDB, para evitar que, voltando ao Brasil, exilados lhes tomassem a direção da oposição. Outros segredavam que se devia a omissão aos militantes do PCdoB, infiltrados no MDB, para castigar Leonel Brizola, a quem culpavam pelo golpe de Estado de 64. A anistia, doutrinava João Figueiredo, não era perdão, que pressupunha arrependimento, o que não se pedia, mas esquecimento e reconciliação da família brasileira. Assim não entendiam os vencidos na luta armada. Traziam rancor que dura mais de 40 anos e emerge, agora, do pântano de vinditas.

O esquecimento foi só dos vencedores. O Exército condecorou ex-guerrilheiros que lutaram de armas nas mãos contra os vencedores. A um concedeu ¿ que lance irônico! ¿ a Medalha do Pacificador, talvez porque não deu um tiro sequer no Araguaia. À outra a Medalha do Mérito Militar, porque deu muitos tiros, até ser detida e experimentar "todas as formas de tortura", mas sobreviveu. Ah, se os que a teriam torturado houvessem aprendido com a NKVD, de Stalin, ou os cárceres de Fidel Castro. Da tortura só sairiam mortos!

Não lhes basta a extensão financeira, de iniciativa do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ao legislar sobre indenizações por vezes milionárias, inclusive a terroristas anistiados. Ao fazê-lo disse ser "o dia mais feliz de sua vida". Para os que correram risco de vida ou descendentes dos que os perderam, tem sido diferente, algo que ele apreciava dizer "comportamento assimétrico". Para limitar-me a um só (e o menos expressivo) exemplo dessa assimetria, um revolucionário implacável, que atende pelo longo nome civil (com sabor alexandrino) de Diógenes José Carvalho de Oliveira, é meritoriamente o Diógenes do PT.

Dos codinomes talvez os conheçam Frei Betto e companheiros do Convento das Perdizes assessores de Marighella. Há 40 anos, Diógenes do PT fez parte do grupo de terroristas que assassinou o capitão americano Chandeler, frente à esposa e ao filho de 9 anos de idade e lançou carro-bomba contra o quartel do Exército em São Paulo. Tiveram a coragem indômita de saltar antes que funcionassem os explosivos. Mataram o soldado Mário Kozel Filho e feriram gravemente cinco outros militares. Anistiado, Diógenes veio a ser assessor especial do governador Olívio Dutra, do Rio Grande do Sul. Envolvido com proteção a contraventores do jogo do bicho, pediu demissão. Reconhecendo seus bons serviços à pátria, a Comissão de Anistia lhe recompensou com pensão vitalícia e indenização de mais de R$ 400 mil por atrasados, todos livres do Imposto de Renda. À família de Kosel, a honrada e assimétrica Comissão concedeu pensão mensal inicial de R$ 300.