Título: Lula enquadra ministro da Justiça
Autor: Correia, Karla
Fonte: Jornal do Brasil, 12/08/2008, País, p. A13

Presidente manda Genro parar de defender, em público, punição a torturadores da ditadura

Karla Correia

BRASÍLIA

Enquadrado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante reunião da Coordenação Política, ontem, o ministro da Justiça, Tarso Genro, recuou de sua posição sobre a revisão da Lei da Anistia, assinada em 1979, ao afirmar que qualquer discussão sobre mudanças na legislação permitindo o processo criminal de torturadores do período da ditadura militar só poderá ser debatida pelo Judiciário.

Na reunião, a orientação de Lula foi de que Genro não mais tratasse do tema em público. A idéia é despolitizar ao máximo a discussão, evitando o embate entre governo e Forças Armadas e desviando o foco do tema para um debate técnico-jurídico. Nesse sentido, já existe uma ação na Advocacia-Geral da União (AGU), a pedido do Ministério Público Federal, pedindo que os militares reformados Carlos Alberto Ustra e Audir Santos Maciel, comandantes do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) nos anos 70, sejam responsabilizados pelo desaparecimento e tortura de 64 pessoas.

¿ Ninguém, em nenhum momento, pediu a revisão da Lei de Anistia ¿ disse Tarso Genro, visivelmente constrangido depois de mais de três horas de reunião no Palácio do Planalto, onde o assunto principal foi a crise aberta entre governo e militares por conta das declarações de Genro e do ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, sobre a possibilidade de punição para os torturadores. Contudo, o ministro negou ter sido repreendido por Lula:

¿ O presidente pode dar puxão de orelha em qualquer ministro. Isso é de sua competência. Mas eu não levei puxão de orelha. Não há nenhum embaraço do governo em relação às Forças Armadas. Para mim, este assunto está encerrado.

De acordo com o relato do próprio ministro Tarso Genro, foi por determinação do presidente Lula que ele desceu do gabinete presidencial, depois da reunião, para dar as declarações à imprensa, um dia antes de Lula encontrar-se com o ministro da Defesa, Nelson Jobim, em cerimônia de apresentação dos novos oficiais-generais.

Hoje, na solenidade, o presidente deve deixar a cargo de Jobim a tarefa de discursar diante dos oficiais e tentar encerrar o desentendimento entre governo e Forças Armadas. Militares da ativa e da reserva demonstraram irritação com as declarações anteriores de Tarso Genro em evento realizado na semana passada pelo Clube Militar.

Discurso na UNE

Será mais difícil para o presidente evitar o tema na cerimônia de assinatura de projeto de lei reconhecendo o envolvimento de agentes do Estado no incêndio da sede da União Nacional dos Estudantes (UNE) na praia do Flamengo, no Rio, ocorrido em 1964, ano da revolução que iniciou a ditadura militar, e garantindo à entidade a reconstrução do prédio. Para evitar constrangimentos e demonstrar que, dentro do governo, a polêmica está superada, o compromisso, marcado antes da polêmica entre ministros e militares, foi mantido na agenda presidencial.

Em seu discurso, Lula deve manter a mesma linha de Tarso Genro e deslocar a responsabilidade sobre a discussão para a esfera do Judiciário. Na solenidade, estarão presentes o arquiteto Oscar Niemeyer, autor do projeto da nova sede da entidade, e o presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão.

Lenha na fogueira

Lula terá de enfrentar também as cobranças dentro do próprio partido, o PT. Ontem, em artigo publicado no site da legenda, o secretário Nacional de Movimentos Populares do partido, Renato Simões, enfatizou a defesa de uma revisão da Lei de Anistia ao afirmar que a reparação às vítimas da ditadura militar seria uma promessa de campanha do presidente Lula.