Título: O critério adotado hoje é injusto
Autor: Loureiro, Ubirajara
Fonte: Jornal do Brasil, 17/08/2008, Economia, p. E2

Entrevista : Aloizio Mercadante

Parlamentar diz que normas de distribuição dos royalties favorecem hiperconcentração

Ainda sem ter apresentado qual- quer projeto de redivisão dos royalties do petróleo, o senador Aloizio Mercadante atribuiu-se a missão de acelerar o debate sobre a questão. Parte do pressuposto de que os critérios que vigoram hoje favorecem uma hiperconcentração, com distorções de todo indesejáveis. E de que o volume da receita que daqui a cinco ou seis anos será gerado pelos depósitos na área do pré-sal será de tal magnitude ­ algo estimado em torno de US$ 3 trilhões só nas áreas onde já há concessões registradas ­ que não pode ser distribuído a partir das regras fixadas pela legislação ou em função de acidentes geográficos. Se isso acontecesse, segundo Mercadante, o Brasil estaria no caminho de contrair a chamada doença holandesa e cair na maldição do petróleo, que consistem na exploração desenfreada de recursos naturais abundantes, mas finitos, gerando uma enorme capacidade de importação. Isto, segundo ele, afetaria mortalmente a indústria nacional, criando uma sociedade parasitária e uma burocracia agigantada. A partir daí, além de uma revisão dos critérios cartográficos usados para o atual rateio de royalties, que só no ano passado carrearam para os cofres do Estado do Rio de Janeiro, maior produtor nacional, R$ 1,7 bilhão, preconiza modificações no projeto de fundo soberano encaminhado ao Congresso pelo governo para aplicação dos recursos gerados pela exploração do petróleo, uma riqueza do país cuja utilização não pode ficar restrita a alguns Estados e municípios que nem sempre dão a melhor destinação para os recursos. E que deveria ser aplicada predominantemente na educação e no desenvolvimento econômico e social. Tudo isto, faz questão de ressalvar, sem afetar a receita hoje gerada pelos royalties aos Estados e municípios do país. E sem interesse meramente regionalista como alguns chegarem a lhe atribuir.

Qual a sua proposta sobre re- distribuição dos royalties? ­

Ainda não apresentei proposta, mas o critério adotado é injusto. Há formas mais isonômicas para uma distribuição mais equilibrada, mais proporcional à área litorânea de cada ente federado, e para evitar hiperconcentração. Mas é importante destacar que isto é parte de um processo de discussão. Esta é minha tentativa de contribuição, já planejar o futuro. Daqui a cinco, seis anos, quando o pré-sal começar a produzir, vamos ter um grande salto, priorizando a educação, mas não exclusivamente. Ao longo do processo podemos, por exemplo, ajudar a financiar a Previdência Social, produção de energia alternativa. Se nós não tivermos uma economia de qualidade, não teremos inovação, nem competitividade. Por tudo isto, o debate da questão do petróleo tem que mudar de patamar.

Há previsão sobre o impacto produção de petróleo do pré-sal na receita?

­ O volume de recursos é de tal ordem que teríamos que constituir um fundo soberano para administrá-lo. Um projeto do governo já tramita da Câmara e nessa tramitação já poderíamos discutir este mecanismo. Para isto, deveríamos seguir o exemplo da Noruega, que constituiu um fundo, hoje com recursos de US$ 400 bilhões. Outro fundo desse tipo, o dos Emirados Árabes, acaba de comprar participações de 5% no Citibank e na Ferrari. Enfim, investimentos rentáveis, de longo prazo, assegurando que estes recursos também beneficiem as gerações futuras e não sejam exauridos em obras faraônicas. O volume de recursos do fundo soberano a ser internalizado dependerá das condições macro-econômicas. Uma hora deverão se internalizar mais, outra hora menos. Não se pode perder a perspectiva de que o Brasil é a 10ª economia do mundo, o país é extremamente competitivo no agronegócio, com uma indústria eficiente. O que queremos é aumentar esta eficiência de maneira sustentável, porque o petróleo é uma riqueza não renovável.

Então, a idéia seria só dar uma nova forma de distribuição para as participações decorrentes de novas descobertas, como na chamada área do pré-sal?

­ Não, seria para os royalties em geral. Teríamos que deixar uma parte dessa receita para repassar mensalmente aos entes federados que serão alcançados pela economia do petróleo. Os municípios que estão ou estarão impactados por equipamentos e dutos de petróleo, que têm jazidas de petróleo, evidentemente têm que ter um diferencial de renda.

Como essa injustiça se apre- senta no aspecto cartográfico? ­

Olhando o mapa, se vê que o critério atual prejudica os Estados com litoral côncavo de favorece os de litoral convexo.

Isto afetaria a receita que os Estados têm hoje com os royalties, em particular o Rio de Janeiro? ­

Nenhuma proposta pode ser feita alterando o que existe hoje. Mantenha-se a receita, e vamos discutir a partir desse patamar. Isto não exclui a necessidade de que se tenha uma idéia exata do impacto efetivo: quem perde, quem ganha e quanto. Ou seja: ninguém perde, porque senão cria-se uma instabilidade federativa.

Mas como seria o rateio? ­

Uma estimativa bem grosseira, a partir de hoje, temos o seguinte: de cada três barris de petróleo, atualmente, um vai para pagamento de impostos ou royalties. Com o pré-sal conhecido, uma área de 14 mil km², a produção seria de 50 a 70 bilhões de barris. Se pudermos explorar metade dessa área, a um preço de US$ 130 o barril, estamos falando de um volume de recursos de pelo menos a US$ 3 trilhões, fora os recursos de áreas que são da União e que não foram transferidas para nenhum consórcio. O Brasil. do ponto de vista macroeconômico, não tem como distribuir os recursos do pré-sal da forma como faz hoje com as demais reservas. Hoje, a forma como está sendo concentrada a distribuição, sem critério, sem controle, sem transparência, o desperdício é inevitável

Em que pontos a legislação está desatualizada? ­

A tabela de distribuição hoje prevê três tipos de alíquota: a dos royalties, a básica, e a da participação especial. Esta participação especial, que beneficia os estados confrontantes, está completamente defasada. Hoje, dos 64 campos de mar, só 16 estão pagando royalties. Dos 186 campos de terra, só seis estão pagando royalties. Isto porque a tabela é muito antiga, tem uma faixa de isenção quantitativa, como a tabela do Imposto de Renda. Como aumentou brutalmente o preço do petróleo, a tabela não pode ser só quantitativa, porque foi feita quando o petróleo custava US$ 16 por barril. Então tem, que ser feito um ajuste imediato.

Como seria este ajuste?

­ Tem que ser feito a partir de um estudo, sem qualquer exagero. Mas, como está hoje, representa quase uma elisão fiscal. Não só a maioria dos campos não paga nada, como a alíquota média é de 18%. Só o Campo de Marlin paga 32%. É um desequilíbrio que o governo tem que corrigir. Com esta correção, a receita dos royalties vai aumentar

Como seria a exploração

­ Num regime de partilha, pa- gando-se um percentual à empresa que preste o serviço. Mas a exploração é da União.

Haveria uma renovação do mo- nopólio estatal, com a criação de uma nova empresa? ­

Não, porque os recursos do sub- solo e da plataforma continental, como determina a Constituição brasileira, são de propriedade do Estado e da sociedade brasileira. E a empresa a ser criada não seria operacional, mas uma estrutura enxuta, com cerca de 30 pessoas, como fez a Noruega, apenas para gestão dos recursos carreados para o fundo, a partir da atuação de empresas interessadas na partilha.

Mas, afinal, o pré-sal geraria royalties para os confrontantes, ou não? ­

A receita do pré-sal tem que ser predominantemente para o fundo soberano. Se eu jogar estes recursos no balanço de pagamentos para repasse a Estados e municípios, vou desequilibrar a economia brasileira, cairemos na doença holandesa. Já estamos com a moeda apreciada. Já há setores econômicos com problemas sérios de competitividade porque o real está apreciado, imagine-se quando os recursos do pré-sal começarem a entrar. Haverá um desequilíbrio macroeconômico. Não há como repartir reservas dessas magnitude pelos mecanismos atuais. Isto geraria uma cultura parasitária e as outras atividades econômicas não teria estímulo para se desenvolverem. Mas é lógico que terão que ser favorecidos, mesmo a 250, 300 km da costa, sem impacto direto pela atividade de produção. Eles têm que ter um diferencial de receita, porque os royalties são uma contrapartida por uma fonte de recursos não renovável

Quando chegam e onde seriam aplicados esses recursos ? ­

De imediato, uma parcela do valor potencial dessas reservas pode ser securitizada, trazer a valor presente esses recursos, para abater a dívida pública, reduzir a carga tributária, criar condições de reduzir a taxa de juros, e fazer o inverso da doença holandesa, ou seja, dar um choque de eficiência e produtividade na economia brasileira me aumentar a competitividade de outros setores, a capacidade de exportação, fazer uma revolução na educação pública e mudar a história econômica e social, criando a sociedade do conhecimento, que é o futuro da sociedade humana

Em artigo publicado no JB, o brigadeiro Sérgio Ferolla manifestou receio de que, na hipótese de o pré-sal ser um campo único, recursos nacionais possam ser pilhados, em caso de concessão a grupos privados... ­

Por isto que o governo suspendeu qualquer concessão na área do pré-sal. Se a reserva é uma só, e já estão nesta área nove consórcios, (todos com participação da Petrobras), isto se resolve através de um processo chamado unitização das reservas, negociando-se a quota de cada um, como prevê a Lei do Petróleo.