Título: Petróleo: dois assaltos à vista
Autor: Dornelles, Francisco
Fonte: Jornal do Brasil, 17/08/2008, Economia, p. E4

SENADOR PELO RIO DE JANEIRO

N a área do petróleo, dois assaltos vêm sendo anunciados. O primeiro, contra acionistas da Petrobras. O segundo, contra os Estados e principalmente contra o Estado e os municípios do Rio de Janeiro. A lei 9.478/97 abriu caminho para o crescimento excepcional da indústria do petróleo no Brasil que hoje já representa 10% do PIB. Embora tenha ocorrido a quebra do monopólio estatal, esse crescimento foi impulsionado pela Petrobras, hoje consolidada e respeitada como uma das mais importantes empresas de petróleo do mundo. Ao lado da Petrobras existem hoje no Brasil 71 empresas privadas, das quais 36 são empresas de capital nacional. No momento em que se deveria comemorar o sucesso da legislação e do modelo adotado, bem como transmitir aos agentes econômicos a garantia de que não haverá mudanças nas regras do jogo, ocorre justamente o contrário. Setores do governo falam em mudança da lei, criação de uma nova empresa 100% estatal para explorar as reservas do pré-sal e adoção do regime de partilha, substituindo o atual regime de concessão. A criação de uma nova empresa 100% estatal está ligada à mudança de lei para a adoção do critério da partilha. O argumento utilizado é que o risco da exploração das reservas do pré-sal é praticamente nulo e que, conseqüentemente, todo o lucro da exploração do pré-sal deve pertencer à União, que controlaria 100% do capital da empresa a ser criada.

Cobrança maior das empresas

O poder público pode obter pelo regime de concessão a mesma remuneração que obteria no sistema de partilha. Assim, através de decreto específico, sem necessidade de modificação na lei, criação de nova empresa, e adoção de critério de partilha, o poder público pode ter a sua participação aumentada na exploração das reservas do pré-sal, pela cobrança maior das empresas que viessem a explorar esse novo campo. O que ocorre na realidade com as mudanças anunciadas é que os lucros da Petrobras decorrentes da exploração do pré-sal, mesmo depois do pagamento de uma participação especial aumentada, caberiam parcialmente aos acionistas não-controladores, ao passo que, no caso de uma empresa 100% estatal, caberiam integralmente ao poder público. O capital do acionista privado que permitiu que a Petrobras se tornasse uma das maiores empresas do mundo na área da prospecção e exploração do petróleo seria assim, no momento de sucesso, completamente ignorado.

Menos para Estados

Em relação aos Estados e mu- nicípios, o assalto anunciado implica no aumento da quota da União nos royalties e participações especiais, com a conseqüente redução do percentual que hoje cabe aos Estados e municípios. O inciso 1º. do artigo 20 da Constituição assegura a participação dos Estados e municípios no resultado da exploração do petróleo nos respectivos territórios, plataforma continental e mar territorial. O que a norma mencionada estabelece é uma espécie de compensação, ou participação, aos Estados e municípios cujos territórios sejam afetados, de uma forma ou de outra, pela exploração de recursos contidos naqueles bens da titularidade da União. As receitas oriundas dessa compensação ou participação são receitas originárias do ente estatal que é compensado, e não receitas originárias da União. O professor Ives Gandra diz, com a propriedade que lhe é peculiar, que o referido artigo tem objetivo desconcentrador. Centraliza a propriedade dos bens e descentraliza o resultado de sua exploração. Como os Estados e municípios onde os bens em questão se situam (ou com os quais há relação de contigüidade) não podem explorá-los economicamente, embora sofram conseqüências negativas resultantes da exploração e despendam recursos em função dela, a Constituição prevê a participação desses entes nos resultados econômicos ou correspondente compensação financeira. Leis específicas estabeleceram a participação dos entes federativos no resultado dos royalties e nas participações especiais. No ano 2007, o Estado e os municípios do Rio de Janeiro receberam pela exploração do petróleo no seu território e plataforma continental praticamente o mesmo montante que a União.

Critérios e prioridades

Realmente, prevalecem as crí- ticas de que os municípios não têm critérios e prioridades para a aplicação dos recursos que recebem da exploração do petróleo e alguns caminhos corretivos devem ser examinados para solucionar a situação. Também a União não faz chegar aos ministérios da Marinha, Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente e Minas e Energia os royalties e participação do petróleo que recebe, recorrendo à prática do contingenciamento que caracteriza o orçamento autorizativo. Entendo eu que, com as explorações das reservas do pré-sal, o assunto petróleo merece ser amplamente debatido. Mas em todos os momentos do debate deve ficar claro que serão respeitados os direitos adquiridos, que não haverá volta, ainda que parcial, do monopólio do petróleo, e que não haverá assalto contra acionistas da Petrobras, bem como contra os Estados e os municípios.