Título: Os recursos e a participação especial
Autor: Forman, John M. Alburqueque
Fonte: Jornal do Brasil, 17/08/2008, Economia, p. E5

A discussão hoje está cen- trada em duas das participações governamentais: os royalties e a participação especial. O artigo 47 da Lei 9478/97 estabelece que: "Os royalties serão pagos mensalmente, em moeda nacional, a partir da data de início da produção comercial de cada campo, em montante correspondente a 10% da produção de petróleo ou gás natural". Os três parágrafos deste artigo determinam a possibilidade de redução dos royalties a um mínimo de 5%, levando em conta os riscos geológicos, as expectativas de produção e outros fatores pertinentes, o que deve ser previsto no edital de licitação, e indicam que os critérios para o cálculo do valor dos royalties serão estabelecidos por decreto do presidente da República, em função dos preços de mercado, das especificações do produto e da localização do campo. Sendo os royalties um percentual fixo e estabelecido antes da descoberta de um campo, fica claro que, quando aplicados a campos com produções diferentes, terão pesos distintos. O campo de maior produção terá custos de produção menores, devido à escala, que afetarão menos o seu fluxo de caixa, enquanto para um campo de menor produção, o fluxo de caixa será mais afetado pelos royalties. Fica, então, caracterizado o caráter regressivo dos royalties. O artigo 50 da mesma lei, que trata da participação especial, tem a seguinte redação: "O edital e o contrato estabelecerão que, nos casos de grande volume de produção, ou de grande rentabilidade, haverá o pagamento de uma participação especial, a ser regulamentada em decreto do presidente da República". O parágrafo 1º deste artigo é claro ao estabelecer que "a participação especial será aplicada sobre a receita bruta da produção, deduzidos os royalties, os investimento na exploração, os custos operacionais, a depreciação e os tributos previstos na legislação em vigor". Como são mencionados o grande volume da produção e a receita bruta relativa à mesma, tem ocorrido uma compreensão errônea de que a participação especial incide sobre a produção, sem que se dê a necessária atenção ao parágrafo 1º, que determina que a aplicação desta participação se dê sobre a receita bruta, a qual tem a influência dos preços de mercado, do câmbio e, evidentemente, da produção. A participação especial, ao incidir sobre o lucro gerado por um grande campo, visa capturar rendas extraordinárias obtidas a partir de grandes produções ou elevadas rentabilidades. Da mesma forma que o Brasil, outros países já tiveram, ou ainda têm, legislações com objetivos semelhantes, como o Petroleum Revenue Tax, do Reino Unido; a Hydrocarbon Tax, da Noruega; o Petroleum Resource Rent Tax, da Austrália, e, no passado o Windfall Profit Tax, dos Estados Unidos. O Decreto 2705/98, que regulamentou a participação especial ao adotar alíquotas que aumentam com o volume da produção, deu um caráter progressivo à participação especial, o que a torna distinta dos royalties, os quais, como já dito, têm caráter regressivo. Para efeito da apuração da participação especial, estabelece o decreto 2705/98 que serão aplicadas alíquotas progressivas sobre a receita líquida da produção, levando-se em consideração as deduções previstas, a localização da lavra, o número de anos de produção e o volume de produção. As alíquotas previstas variam de acordo com o volume produzido, embora incidam sobre a receita, e variam de 10% a 40%. Havendo a necessidade ou conveniência de aumentar a participação governamental sobre as novas descobertas, isto poderá ocorrer pela alteração do decreto 2705/98, estabelecendo, por exemplo, um número maior de alíquotas, aumentando a alíquota máxima, hoje de 40%, bem como ajustando os demais critérios utilizados para a apuração da participação especial. É através do uso criterioso de tributos que o governo poderá obter os resultados que almeja, sem que seja necessário alterar a lei em vigor. Na análise da partição das rendas oriundas da produção de hidrocarbonetos no mundo, fica evidente que não é a participação direta na produção que permite maiores receitas aos Estados, mas sim, a utilização de uma política fiscal adequada. A distribuição destas participações é também mal compreendida. Em primeiro lugar os royalties e a participação especial são ligados à vida útil de um campo e, portanto, finitos no tempo. Os Estados, municípios e órgãos governamentais que os recebem não serão beneficiados de forma permanente. São conhecidos casos de municípios que, ao não atentarem para a possibilidade da suspensão ou fim da produção, enfrentaram imensas dificuldades com a interrupção ou o fim dos pagamentos. A legislação prevê que os pagamentos sejam feitos aos Estados e municípios onde ocorra a produção, quando em terra. No caso da parcela de royalties de 5%, da produção marítima, a compensação financeira é dada aos Estados e municípios considerados confrontantes com os poços produtores contíguos à área marítima delimitada pelas linhas de projeção dos respectivos limites territoriais. Há uma definição dos critérios a serem utilizados pelo IBGE para o traçado destas linhas de projeção, que serão linhas geodésicas ortogonais à costa e, para os municípios, além da linha geodésica, os limites serão projetados segundo o paralelo. Estas definições foram dadas em lei e decretos de 1986. A linha da costa é resultado da evolução natural do continente, à qual não cabem reparos. Quanto às formas de projeção, já com duas décadas de uso, foram concebidas dentro de critérios técnicos lógicos e claros sem a preocupação de beneficiar ou prejudicar qualquer Estado ou município. Sua modificação, por critérios políticos, é que poderá trazer conseqüências e distorções graves. A distribuição aos municípios confrontantes é feita, levando em conta a zona de produção principal, considerando a população de cada um; são contemplados também os municípios integrantes de produção secundaria com o rateio feito na razão da população dos distritos cortados por dutos e, ainda, os municípios limítrofes à zona de produção principal, sempre à razão direta da população e, neste caso, excluídos os municípios integrantes da zona de produção secundaria. São critérios abrangentes e que buscam beneficiar todos os municípios que sofram conseqüências sociais ou econômicas da exploração e produção de hidrocarbonetos. Quanto à parcela acima de 5%, há uma previsão semelhante de distribuição a Estados e municípios, porém com percentuais diferentes, mas uma parcela de 25% é destinada ao Ministério de Ciência e Tecnologia para financiar programas de amparo à pesquisa científica e ao desenvolvimento tecnológico aplicados à indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis. O detalhamento maior da forma de distribuição, que é bastante complexa, não caberia em uma análise resumida como esta que busca apenas indicar que as receitas são repartidas tendo em conta as populações dos municípios e a forma pela qual são afetados pelas atividades da indústria do petróleo. A distribuição dos recursos da participação especial é feita da seguinte forma: 40% para o Estado e 10% para o município produtor ou confrontante, com os mesmos critérios da parcela de royalties acima de 5%. Os restantes 50% são divididos em 40% para o MME (sendo que destes, 70% para realização de estudos aplicados à prospecção de combustíveis fósseis, a cargo da ANP), 15% para o custeio dos estudos de planejamento da expansão do sistema energético, a cargo da EPE, e 15% para financiamento de estudos, pesquisas, projetos, atividades e serviços de levantamentos geológicos básicos, a cargo da CPRM. Estão previstos, ainda, 10% para o Ministério de Meio Ambiente, para o desenvolvimento de estudos e projetos relacionados com a preservação do meio ambiente e recuperação dos danos ambientais causados pelas atividades da indústria do petróleo. A lei e decreto prevêem, de forma objetiva e detalhada, a forma de distribuição dos recursos oriundos das participações governamentais. Houve a preocupação com uma distribuição que refletisse a forma pela qual são afetadas, pela indústria do petróleo, as unidades da Federação, foi contemplada a diferença populacional, foram previstos recursos para o desenvolvimento científico e tecnológico, para o meio ambiente, para estudos que permitissem a oferta de novas áreas para exploração, como aconteceu com o pré-sal ­ enfim, tudo que fosse relacionado com a indústria do petróleo, dela receberia, diretamente, algum benefício. No entanto, a realidade é outra. Embora as parcelas destinadas aos Estados e municípios sejam pagas corretamente, as demais são contigenciadas. Sem o poder político dos Estados e municípios, os órgãos governamentais aos quais se destinam parte dos recurso oriundos do petróleo recebem, em geral, menos do que 10% do que lhes é destinado em lei. Como estes recursos são previstos em lei, não podem ser cortados do orçamento ­ mas são, então, contigenciados, que é a forma perversa de não cumprir a lei e criar os superávits primários, esterilizando dinheiro que poderia estar contribuindo para o desenvolvimento do país. O presidente Lula fala em alterar a lei para criar um fundo destinado à educação que, se tiver o mesmo tratamento dado hoje aos recursos destinados à ciência e tecnologia e ao meio ambiente, será totalmente inócuo. Mesmo um Fundo Soberano de nada adiantará se submetido à sistemática orçamentária das leis como a LDO e a LOA.