Título: O milagre da multiplicação do patrimônio
Autor: Raposo, Fred
Fonte: Jornal do Brasil, 19/08/2008, Tema do Dia, p. A2

Consta na história do Poder Legislativo do Rio de Janeiro, que, em 1565, quando foi fundado, os parlamentares recebiam, no lugar de salário, cera para fazer vela. Era considerada uma honra servir à municipalidade e uma ofensa receber dinheiro em troca. Avançando quase quatro séculos e meio no tempo, o patrimônio dos 48 vereadores que tentarão a reeleição à Câmara Municipal do Rio dobrou durante a última legislatura. Levantamento feito pelo JB mostrou que, somado, o valor dos bens declarados pelos parlamentares ­ entre imóveis, veículos, jóias, empresas e aplicações financeiras ­ passou de R$ 12,7 milhões, em 2004, para R$ 25,8 milhões, em 2008: um crescimento de 102,5%.

A análise tomou como base as declarações de patrimônio ­ que podem ser cópias do Imposto de Renda ou documentos escritos pelos parlamentares ­ que os políticos entregaram ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE), quando registraram as candidaturas para disputar os pleitos de 2004 e 2008.

Descontada a inflação no período 2004-2008 (cujo índice do IPCA, entre dezembro de 2003 e dezembro de 2007, foi de 22,5%) 32 vereadores-candidatos declararam aumento patrimonial, 15 apresentaram redução e apenas Rogério Bittar (PSB) afirmou não possuir bens em seu nome em ambas as eleições.

Crescimento de até 800%

A variação média dos valores dos bens alcançou a marca de 131%. A soma das declarações passou de R$ 265.846,50, em 2004, para R$ 538.414,79, em 2008. Entre os 32 parlamentares que acusaram aumento patrimonial, 13 declararam crescimento de mais de 100%, já descontada a inflação.

Um grupo de quatro vereadores foi além, apresentando crescimento de mais de 500%. É o caso de Liliam Sá (PR), que teve o maior aumento percentual entre os parlamentares que buscam a reeleição: 809%.

Em 2004, Liliam Sá declarou ter em seu nome apenas dois automóveis, cujos valores somados chegavam a R$ 21.155. Este ano, sua declaração de bens inclui um apartamento na Rua Sá Ferreira, em Copacabana, no valor de R$ 150 mil, um imóvel em Saquarema, que custou R$ 20 mil, e um Fiat Doblò, ano 2006, avaliado em R$ 51.647,10. Seu patrimônio total declarado em 2008 soma R$ 235.707,40. A reportagem procurou a vereadora na Câmara, mas não obteve resposta.

Chiquinho Brazão (PMDB) atribui o crescimento patrimonial de 739% (de R$ 160.833 para R$ 1,6 milhão) aos postos de gasolina Tingui e Giromanilha, localizados, respectivamente, em Campo Grande e Itaguaí. O vereador aponta as firmas, não declaradas em 2004, como principal fonte de recurso. ­

- Sou comerciante e parlamentar, parte do faturamento vem da minha vida como empresário. Não coloco nada que não tenha declarado ­ explica Brazão, cuja propriedade de maior valor em 2004 era um imóvel cotado em R$ 80 mil, enquanto este ano declarou possuir apartamento na Barra avaliado em R$ 957 mil.

Leila do Flamengo: 610%

A variação patrimonial de 610% de Leila do Flamengo (DEM) foi atribuída à declaração, em 2008, de um apartamento avaliado em R$ 272 mil. A vereadora argumenta que o imóvel, comprado em 97 e não declarado em 2004, é fruto de acordo com o marido, após o divórcio do casal, para presentear o casal de filhos. ­

-O apartamento foi pago em prestações, que terminaram em 2003 ou 2004, não me lembro ao certo. Está em nome dos meus filhos, tanto que declarei usufruto, ou seja, tenho o direto por toda a vida de morar nele ­ relata Leila, que afirma ser moradora do bairro do Flamengo desde 72.

Já o ex-presidente da Câmara Sami Jorge (PDT) apresentou aumento patrimonial de 517%. Em 2004, a declaração do vereador somou R$ 877 mil contra R$ 6,7 milhões deste ano. ­

- Isto se deve à venda de um apartamento que tinha há mais de 50 anos para uma empresa espanhola, que buscava uma sede administrativa na Barra. O terreno, que remendava até cinco lotes, tinha a metragem igual à que eles precisavam ­ - afirmou Jorge.

Além do salário de R$ 9.288,05, os vereadores têm direito a dois salários extras por ano (auxílio-paletó), mil litros de gasolina e quatro mil selos mensais. Cada parlamentar contrata até 20 assessores, mas não tem carro oficial.

Já o patrimônio de Argemiro Pimentel (PMDB) cresceu 459%. Porém, segundo sua assessoria, não há evolução astronômica.