Título: Renda de Cidadania no Complexo do Alemão
Autor: Suplicy, Eduardo
Fonte: Jornal do Brasil, 19/08/2008, Opiniao, p. A9

Na última quinta-feira, 14 de agosto, proferi palestra no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Fui convidado por José Junior, Coordenador Executivo da AfroReggae, que fica na comunidade da Grota. O local, com 90 mil habitantes, se constitui numa das diversas comunidades daquele complexo de impressionante densidade demográfica. São 300 mil habitantes.

Junior convidou-me para que eu explicasse às principais lideranças da comunidade o sentido, as origens, os fundamentos, a operacionalidade, as vantagens e as desvantagens da Renda Básica de Cidadania (RBC). Fiquei feliz com o convite, pois qualquer política social só é bem aplicada quando bem compreendida pela população e quando esta concorda de que ela é a melhor alternativa, dentre as diversas formas que um governo pode adotar, em especial, no que diz respeito aos programas de transferência de renda.

Ao chegar ao Galeão fui recebido por Broder Charlie e pela Kênia. De táxi, eles me levaram à Grota. O motorista, um taxista que mora na Ilha do Governador, disse que esta era a primeira vez que ele iria para a Grota, no Complexo do Alemão. No caminho, no inicio da ladeira, passamos por duas viaturas da Força Nacional e alguns soldados com armas nos braços. Não tínhamos consciência de que ali por perto, no sábado, em uma cisterna do bairro, seriam encontrados e libertados um conselheiro da embaixada do Vietnã, Vu Thanh Nam, e três chineses, que tinham sido seqüestrados por 12 homens armados na Estrada das Paineiras.

Antes da palestra, durante uma hora, percorri, a pé, a principal rua da Grota e suas vielas que sobem em direção ao morro. Vi os inúmeros estabelecimentos comerciais, bares e lanchonetes, num ambiente tranqüilo mas com grande movimentação. Várias obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) estão sendo realizadas no local para a implantação do sistema de saneamento, canalização e um novo calçamento da rua principal e suas vielas. Conversei com os trabalhadores destas obras, quase todos moradores do Complexo do Alemão. Visitei algumas residências onde normalmente moram muitas pessoas.

A palestra foi na sede da Associação dos Moradores da Grota. Entre as mais de 60 pessoas estavam a professora Silvia Ramos, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) e os presidentes das outras oito Associações de Moradores existentes no Complexo do Alemão.

Comecei perguntando quantos ali sabiam definir as regras do Bolsa Família e dos outros programas sociais desenvolvidos pelo governo. Nenhum dos presentes soube dizer. Eles não sabiam nem a quantia mínima de renda familiar per capita para terem direito ao benefício. Depois de informar as regras de funcionamento do Bolsa Família e os efeitos positivos até agora, expliquei como será quando for implantada, no Brasil, a Renda Básica de Cidadania, um benefício igual para todos, distribuído como um direito de cada brasileiro participar da riqueza da nação.

Relatei como é que a RBC será de fácil compreensão para todos, uma vez que não há burocracia e qualquer sentimento de estigma, provendo a cada pessoa maior grau de dignidade e liberdade. Mostrei como economistas e filósofos da história da humanidade argumentaram em favor da proposta que já é lei no Brasil. Sua implementação deve ser gradual.

Da mesma maneira como os primeiros programas de Renda Mínima associados à Educação ou Bolsa Escola se iniciaram localmente, nos anos 94/95, até se universalizarem por todos os municípios brasileiros hoje na forma do programa Bolsa Família, é perfeitamente possível que a Renda Básica de Cidadania se inicie em municípios em cooperação com o governo federal.

Perguntei a todos os presentes se recomendariam aos candidatos a prefeito do Rio de Janeiro que incluíssem esta meta em seus programas de governo. Por unanimidade todos recomendariam que o fizessem.

Na sexta-feira, a candidata do PT a prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, divulgou seu programa de governo. No capítulo ação social está explicitado: implantação da renda básica de cidadania, condicionada a aportes do governo federal. No Rio de Janeiro, o candidato do PT, Alessandro Molon, me informou que assume semelhante compromisso, pois deseja implantar a RBC por etapas, iniciando pelas regiões de menor índice de desenvolvimento humano.