Título: O exemplo chinês
Autor: Dirceu, José
Fonte: Jornal do Brasil, 14/08/2008, Opinião, p. A9

N ão posso deixar de escrever sobre a China e a Olimpíada, seguramente a maior e mais bem organizada dos últimos tempos. Esperei absorver os primeiros impactos desse acontecimento inigualável na história das competições olímpicas para poder processar informações e imagens que desfilavam frente aos meus olhos de visitante, impressionado com a grandiosidade do espetáculo e com o desenvolvimento recente da China, onde estive seis anos atrás.

Que a China é a nova potência do século 21, ninguém tem dúvida, mas é preciso saber se suas conquistas ­ nos campos econômico, social e cultural ­ são compartilhadas pelo conjunto da sociedade chinesa.

Uma sociedade complexa e fortemente cercada de contradições, de sua história passada, e recente, de sua composição multinacional, de sua pluralidade religiosa, de seu sistema político, econômico e social ainda fortemente marcado pela Revolução de 49 e pela presença no centro do poder do Partido Comunista chinês.

É certo que o sistema chinês evoluiu com as reformas e se apropriou da melhor forma possível não só dos avanços tecnológicos, como do capital externo; e combinou essa abertura com uma política de reformas internas que criou um dos mais fortes sistemas financeiros do mundo e um sistema empresarial misto ­ estatal e privado, familiar e individual ­ que sustenta o crescimento da China duas vezes acima da média mundial.

A China já incorporou ao padrão de vida mundial das classes médias assalariadas quase a metade de sua população. É só andar pelas ruas e bairros de suas cidades, viajar pelo país, para perceber que a força de sua economia no exterior se apóia no seu fantástico mercado interno e num crescimento da renda e do consumo nunca visto no mundo. Não seria possível a China ser o país exportador que é, sem seu crescimento interno, sem a melhora das condições de vida de mais de 400 milhões de chineses. Mas só agora o desenvolvimento começa a chegar aos camponeses, que ainda são pelo menos a metade da China, e ao Oeste do país.

A China realizou em 30 anos, o que, no Ocidente, muitos países levaram até um século. De um país agrícola e atrasado transformou-se numa potência industrial, financeira e de serviços. Não realizou esse salto sem grandes sacrifícios e sem os problemas que todos nós conhecemos dos processos de industrialização ocorridos na Europa, nos Estados Unidos e mesmo no Brasil. As seqüelas sociais e políticas estão presentes no cotidiano chinês, mas o que vi é uma sociedade em mudança constante, que discute, expressa sua religiosidade, suas opiniões. A força e o apoio do Partido Comunista vêm do sucesso de suas reformas nestas três décadas e do orgulho nacional chinês pelos avanços não só científicos, tecnológicos ou militares, mas econômicos , sociais, culturais, e, agora, nos esportes.

Para um povo que foi dominado e oprimido pelas potências coloniais ocidentais, que amargou o isolamento cultural e a agressão estrangeira por séculos, não pode haver maior orgulho que ser sede da Olimpíada, fazer um show grandioso de abertura reafirmando seus valores e ver ciedade em mudança constante, que discute, expressa sua religiosidade, suas opiniões. A força e o apoio do Partido Comunista vêm do sucesso de suas reformas nessas três décadas e do orgulho nacional chinês pelos avanços não só científicos, tecnológicos ou militares, mas econômicos, sociais, culturais e, agora, nos esportes. seus atletas entre os melhores do mundo. A lição que devemos tirar da realização exitosa da Olimpíada na China, já que queremos sediá-las em 2016 ou depois, é que precisamos desenvolver a infra-estrutura brasileira ­ rodoviária, aeroportuária, urbana, turística, hoteleira, de instalações esportivas ­ e nosso próprio esporte, ainda atrasado em várias modalidades. Temos o cartão de visita e a infra-estrutura dos Jogos Pan-Americanos, graças ao apoio do governo federal. Mas as Olimpíadas não podem e não devem ser realizadas em uma só cidade de um país vasto, continental e plural como o Brasil. Temos que ter consciência que, para sediarmos a Olimpíada, é preciso recursos ­ e eles são volumosos ­ e investimento de médio prazo na infra-estrutura necessária. Não basta apresentar nossa candidatura. É preciso organizar essa disputa, incorporar ao projeto a sociedade e criar um movimento nacional para realizar este objetivo.

EX-MINISTRO CHEFE DA CASA CIVIL