Título: Projeto de lei preocupa entidades
Autor: Santos, Gilmara
Fonte: Jornal do Brasil, 15/08/2008, Economia, p. A20

Representante do governo federal pede parecer a Ives Gandra e PL pode ser alterado.

SÃO PAULO

A pedido do secretário-executivo do Ministério da Previdência Social, Carlos Eduardo Gabas, o tributarista e professor Ives Gandra da Silva Martins fará um parecer jurídico sobre o Projeto de Lei 3021/08, que disciplina a certificação de entidades beneficentes e de assistência social e discute a isenção fiscal para essas organizações. O anúncio foi feito ontem durante debate sobre o tema promovido pelo Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) em parceria com o Jornal do Brasil e a Gazeta Mercantil . ­ Todos nós sabemos o peso de um parecer do professor Ives. Pedi a ele que me mande um parecer sobre o tema que levarei pessoalmente à Casa Civil para discutirmos melhor a questão ­ garantiu o representante do governo. Ao falar do projeto de lei e da questão da isenção fiscal para as entidades beneficentes, o tributarista Ives Gandra lembrou que o Supremo Tribunal Federal (STF) já reconheceu que não se trata de uma isenção fiscal, mas de imunidade, conforme prevê a Constituição Federal. ­ O primeiro erro do projeto de lei é tratar como um favor a renúncia fiscal. O constituinte determinou que não se pode tributar, ao Estado cabe verificar se as entidades estão cumprindo ou não com as suas obrigações ­ disse o tributarista ­ O constituinte proibiu o Estado de prejudicar o terceiro setor porque precisa dele para o desenvolvimento do país ­ complementou Ives Gandra ao perguntar: a intenção do governo é prestigiar o terceiro setor ou torná-lo uma fonte arrecadadora? E foi aplaudido por uma platéia com mais de 400 estudiosos, empresários e pessoas ligadas ao terceiro setor.

Importância

Carlos Gabas reconheceu a importância do terceiro setor para o desenvolvimento da sociedade. ­ Hoje dependemos do trabalho dessas entidades ­ afirmou. Ele tentou demonstrar que o projeto estava sendo mal compreendido pela sociedade e entidades e que foi feito com boas intenções. O projeto não veicula as boas intenções ­ rebateu Ives Gandra. ­ Não adianta propor algo que já nasce morto ­ comentou a advogada Flávia Regina de Souza Oliveira, do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga. Para ela, o governo está chamando para si a responsabilidade da área social ao propor diretrizes para todas as ações realizadas pelas entidades filantrópicas.

Insegurança jurídica

Além disso, a advogada lembrou da insegurança que vive o terceiro setor por conta de tantas normas. ­ As entidades beneficentes têm que procurar advogados e gastar dinheiro que podia ser investido em outras áreas ­ disse Flávia Regina. O empresário Nelson Tanure, presidente do Conselho de Administração da Companhia Brasileira de Multimídia, que edita o Jornal do Brasil e a Gazeta Mercantil , destacou a importância das entidades filantrópicas e disse que, apesar do projeto de lei, a sociedade não pode deixar o Estado brasileiro frustrar ou inibir as ações sociais. ­ Tem muita gente fazendo o bem, apesar do Estado brasileiro; e o projeto de lei, que eu espero que não passe, é mais um obstáculo para quem quer fazer o bem ­ disse Tanure. O presidente executivo do CIEE, Luiz Gonzaga Bertelli, também destacou a importância do terceiro setor para a sociedade e ressaltou a preocupação das entidades de que possa se iniciar um processo para acabar com as isenções fiscais. Bertelli aproveitou a ocasião para fazer uma retrospectiva dos 11 anos de eventos sobre o terceiro setor realizados em parceria com o Jornal do Brasil e a Gazeta Mercantil . ­ Percebemos que ainda há um longo caminho a percorrer ­ disse. Realizados anualmente, os seminários já mobilizaram mais de 2,6 mil pessoas a discutirem temas pertinentes ao desenvolvimento da sociedade. Nesse ano, o tema do evento foi Isenção fiscal das entidades de assistência social.

Consolidação

Bertelli lembrou que esse setor se consolida em todo o mundo a ponto de movimentar, só nos Estados Unidos, cerca US$ 1 trilhão por ano. E disse que o último censo identificou a existência de 25 milhões de voluntários no Brasil.Gabas reconheceu também a rigidez da Receita Federal em relação às ­ entidades filantrópicas. De acordo com ele, 100% dos certificados emitidos pelo Conselho Nacional de Assistência Social (Cnas) são questionados pela Receita. ­ Não é maldade dos auditores, é a lei que está equivocada porque estabelece requisitos rígidos que as entidades não conseguem cumprir ­ disse. Ele lembrou que, no Rio Grande do Sul, um empresário resolveu abrir uma escola para atender aos seus funcionários e filhos. ­ O Fisco autuou todos os meses que a escola funcionou por considerar que era um salário indireto e ele agora tem que pagar a contribuição do período ­ disse. Gabas lembrou ainda que há 800 processos de entidades beneficentes sendo analisados. ­ Se levarmos a lei à regra todas seriam fechadas ­ comentou ao enfatizar que o problema é que a regra está equivocada. Um exemplo, conta ele, é uma entidade de São Paulo mantida por freiras que, por desconhecimento, não formalizaram o pedido de isenção fiscal, apesar de ter todos os requisitos. ­ Pela lei, ela teria que ser fechada porque nenhuma entidade sobrevive se tiver que pagar contribuições anteriores ­ comentou.