Título: Por um Brasil sem amianto
Autor: D'Angelo, Chico
Fonte: Jornal do Brasil, 18/08/2008, Opinião, p. A10

DEPUTADO FEDERAL (PT-RJ), MÉDICO, EX-SECRETÁRIO DE SAÚDE DE NITERÓI E RELATOR DE DOIS PROJETOS QUE PROPÕEM A PROIBIÇÃO DO AMIANTO NO BRASIL

Há algumas verdades absolutas que parecem ser esquecidas quando questões polêmicas mobilizam certos setores da sociedade, especialmente, quando poderá ocorrer significativa perda financeira para alguns dos envolvidos. Uma dessas verdades absolutas estabelece: a saúde do trabalhador e do consumidor do país deve estar sempre acima de qualquer fator. É óbvio. Não há espaço para retórica, muito menos para a relativização do tema.

No entanto, na discussão sobre a proibição do uso do amianto em setores da indústria e da comercialização de produtos feitos com o mineral, o princípio inexorável acerca da saúde de seres humanos tem sido posto de lado em nome de uma indisfarçável luta pela manutenção da saúde financeira dos que fabricam itens com a matéria-prima. Trata-se de um universo amplo que inclui produtos que vão de telhas e peças da indústria automotiva a material escolar, que colocam trabalhadores e consumidores -­ crianças, inclusive -­ em risco.

O mal que o amianto faz já foi comprovado pela ciência: a Organização Mundial de Saúde o classifica como agente cancerígeno e uma das maiores causas de câncer ocupacional no mundo. E só no Brasil, um dos cinco maiores utilizadores e fornecedores do produto no planeta, já matou mais de 3 mil trabalhadores Enquanto os projetos nas últimas três décadas. A doença que mais óbitos provocou foi o mesotelioma de pleura, tumor maligno com período de latência que pode variar entre 15 e 40 anos.

Também há registros de asbestose (doença crônica pulmonar) e câncer do pulmão e do aparelho digestivo. Em vários países, não há mais debate: o amianto é proibido pela União Européia, Argentina, Uruguai e Chile. Aqui, a polêmica, alimentada pelos que têm interesse econômico no uso do material, ainda expõe brasileiros ao risco de morte. Os que defendem o "uso controlado" ignoram o fato de que cientistas afirmam que não há níveis seguros de tolerância, o que torna o argumento peça de retórica.

Como deputado federal, sou relator de dois projetos de lei que propõem a proibição do amianto em todo o território nacional. Enquanto os projetos tramitam na Câmara e, no país, segue o debate, são cada vez mais urgentes a tomada de consciência por parte das autoridades e da sociedade e a ênfase no fato de que há alternativas de matéria prima para as indústrias.

A argumentação de que a proibição do produto levaria ao desemprego trata de um problema real. Mas é dever do Estado se empenhar em criar ações que contemplem, em caráter de urgência, os trabalhadores do setor, com programas de requalificação e realocação da mão de obra, uma vez que lidamos com uma questão de saúde pública.

É possível um Brasil sem amianto com trabalho e vida saudável.