Título: STF libera candidatos sujos
Autor: Carneiro, Luiz Orlando
Fonte: Jornal do Brasil, 07/08/2008, Tema do dia, p. A2
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, ontem, por 9 a 2, em sessão plenária que entrou noite a dentro, que a Justiça Eleitoral não pode negar registro a candidato que seja réu em processo criminal ou de improbidade administrativa, ou tenha sido condenado em instância inferior, sem que a sentença tenha "transitado em julgado", em virtude de recurso ainda pendente em tribunal superior. Ou seja, candidatos ao pleito de outubro que tiveram registros negados ou venham a tê-los, até o dia 16, por tribunais regionais eleitorais, em face de "vida pregressa" não recomendável, são elegíveis, com base na presunção de inocência ¿ artigo 5º da Constituição.
No julgamento da ação de Argüição de Descumprimento de Dreceito Fundamental (Adpf) proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) ¿ que pretendia a declaração, pelo STF, de não ser necessária a existência da condenação definitiva, prevista na Lei de Inelegibilidade (Lei Complementar 64/90), para que o juiz eleitoral negue o registro de candidatos que tenham "fichas sujas" ¿ seguiram o voto vencedor do relator, Celso de Mello, os ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cezar Peluso, Marco Aurélio, Ellen Gracie e Gilmar Mendes. Foram vencidos os ministros Ayres Britto, presidente do Tribunal Superior Eleitoral e (TSE) Joaquim Barbosa.
Em um voto de 91 páginas, lido durante mais de duas horas, o ministro-relator Celso de Mello sustentou que o princípio da não-culpabilidade projeta-se além de uma dimensão estritamente penal, alcançando quaisquer medidas restritivas de direitos, inclusive no campo do direito eleitoral. Para ele, "a repulsa à presunção de inocência mergulha suas raízes em uma visão incompatível com o regime democrático", e a idéia de que "todos são culpados até que se prove o contrário" é um postulado de "mentes autoritárias", praticado nos regimes absolutistas e totalitários.
¿ O sistema judicial brasileiro não tolera processos condenatórios irrecorríveis e não aceita a transgressão do dogma da presunção de inocência ¿ sublinhou. ¿ É preciso que haja título judicial definitivo para que se gere alguma conseqüência, sobretudo quando está em jogo a suspensão de direitos políticos, como o de ser votado.
Sem segredo
Celso de Mello comentou, no entanto, que "a vida pregressa (do candidato) não deve ser objeto de segredo", e apoiou a difusão, por entidades como a AMB, de listas de candidatos que respondem a processos eleitorais. A seu ver, "o princípio da publicidade pode coexistir com o princípio da não culpabilidade", cabendo ao eleitor julgar quem deve ter acesso a mandato eletivo.
Mas o ministro ressaltou que essa questão não estava em julgamento, mas sim a preservação da cláusula pétrea constitucional de que ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito final de sentença condenatória. Ele acha que a Justiça Eleitoral tem os mecanismos para promover essa publicidade, que não conflita com o princípio constitucional da presunção de inocência.
O ministro Ayres Britto ¿ que preside o Tribunal Superior Eleitoral ¿ pediu para votar logo depois do relator, a fim de divergir, na linha em que foi também voto vencido na recente decisão administrativa do TSE que, por 4 votos a 3, entendeu que político-réu sem condenação definitiva pode ser candidato. A tese de Ayres Britto é de que a presunção de inocência não pode ser "absoluta", já que, na Constituição, ela teria como referência a área penal, e não a eleitoral.
E explicou:
¿ A vida pregressa do candidato deve ser analisada, sim, não como condição de inelegibilidade, mas como de elegibilidade.
Assim, não estaria comprometida nem a Lei de Inelegibilidade, nem o princípio constitucional da presunção de inocência. E concluiu:
¿ A eleição, no Brasil, corre o risco de se tornar uma corrida revezamento cujo bastão ora é um cassetete policial ora um cone de 30 moedas.
O ministro Joaquim Barbosa acompanhou, em parte, seu colega do TSE, considerando que sentença condenatória confirmada em 2ª instância já seria suficiente para tornar qualquer pessoa inelegível.