Título: Meia-volta providencial contra o tráfico
Autor: Thurler, Fernanda
Fonte: Jornal do Brasil, 07/08/2008, Eleições Municipais, p. A6

Crivella recebe recado e equipe de TV do senador desiste de filmar sua visita a Costa Barros

Fernanda Thurler

Apesar do discurso firme e indignado de que não vai aceitar imposições do poder paralelo durante a campanha, o candidato Marcelo Crivella (PRB) teve de mudar o caminho ontem ¿ durante visita à comunidade da Quitanda, em Costa Barros, Zona Norte ¿ porque sua equipe foi informada de que a facção criminosa que comanda o tráfico de drogas no local orientou o candidato a não fazer imagens durante o percurso. Não houve intimidação direta, mas os bandidos mandaram a mensagem por um interlocutor, inclusive para os jornalistas que acompanhavam a caminhada.

¿ Eu não reconheço, não respeito e não temo ¿ bradou Crivella. ¿ Eu vou entrando, vou seguindo meus correligionários que estão aqui. Não aceito qualquer tipo de restrição à liberdade. Acho isso indigno. Por isso ando. Tem sido assim e vou fazer isso até o fim da campanha.

Esta não é a primeira vez que Crivella é intimidado por traficantes. No último dia 26, em visita à Vila Cruzeiro, na Penha, bandidos armados obrigaram os jornalistas a apagarem as fotos da visita. Há cinco dias, Chico Alencar (PSOL), Alessandro Molon (PT) e Fernando do Gabeira (PV) também foram coagidos por traficantes no Complexo da Maré e novamente na Vila Cruzeiro.

Lideranças comunitárias explicaram que os traficantes estavam receosos de que bandidos de outra facção que comandam a comunidade do Chapadão ¿ próxima à Quitanda ¿ se aproveitassem da movimentação para invadir a favela. A equipe de filmagem da campanha do senador nem chegou a sair do carro e foi embora em seguida. Crivella desconversou novamente:

¿ Eles (equipe de gravação) me pediram para eu ir gravar as primeiras propagandas ¿ justificou o candidato. ¿ Pessoalmente não tomei conhecimento de nenhum constrangimento hoje.

Antes de receber o recado do tráfico, o senador admitiu que todos os candidatos estão sofrendo "um certo constrangimento" ao tentarem entrar em comunidades.

¿ E eu não fui exceção ¿ completou. ¿ O carioca tem de ter garantida a sua liberdade de ir e vir. Todos os candidatos estão lutando contra isso. Estamos inconformados. Mas a Justiça e a polícia estão tomando providências.

Sem foto

Na caminhada pela Quitanda, o candidato passou em frente a uma casa onde estava pichado um suposto recado dos traficantes para os policiais: "Vocês estão sendo filmados fazendo execuções e exculachando (sic) morador".

Depois de passar pela Quitanda, Crivella seguiu para a comunidade de Portos, onde os fotógrafos foram proibidos de registrar qualquer movimentação do tráfico. Apesar de uma nova recomendação, ninguém foi visto com armas durante a caminhada.

No final, o senador ressaltou as condições de vida dos moradores da comunidade. Muitos vivem em barracos de madeira e não têm sequer saneamento básico, o esgoto é a céu aberto. Crivella disse que ficou impressionado com a quantidade de crianças descalças na ruas:

¿ Não é possível que no Rio de Janeiro, onde jorra a quarta jazida de petróleo do mundo, existam crianças fora da escola o dia inteiro.

Como de praxe em comunidades carentes, o bispo da Universal foi muito bem recebido pelos moradores.

Abre-alas amigo

Para entrar na Quitanda, ele contou com a ajuda de Itagibe Cabral, candidato a vereador pelo PR, da coligação de Crivella, morador da favela e diretor do centro social Centro de Libertação Espiritual há 20 anos. Itagibe garantiu que lá qualquer candidato faz campanha:

¿ A comunidade está aberta a todos. Não existe nenhum tipo de acordo ou restrição a políticos.

Perto dali, com faixas espalhadas pela Linha Amarela, as associações de moradores do Complexo do Alemão anunciam um debate entre os candidatos a prefeito do Rio. A comunidade, que no último pleito rendeu extensa votação ao vereador Jorginho da SOS, quer avaliar quem está mais bem preparado para governar a cidade. Crivella confirmou presença no encontro.

¿ Eu vi as faixas que eles colocaram na Linha Amarela dizendo que o processo de eleição na comunidade seria os mais democrático possível ¿ destacou o senador. ¿ Acho isso excelente até porque não tivemos o debate na televisão e vamos ter o debate nas comunidades, estarei presente.