Título: Uma boa notícia para a moralidade
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 22/08/2008, Opinião, p. A8

MERECEM ENFÁTICOS APLAUSOS os ministros do Supremo Tribunal Federal que, unanimemente, aprovaram a súmula vinculante que veta a prática de nepotismo em todo o poder público brasileiro ­ incluindo Executivo, Legislativo e Judiciário em qualquer unidade federativa do país. (Ficam livres da nova regra ministros e secretários estaduais e municipais).

A decisão conduz a uma reflexão pedagógica: mais uma vez, no "país do jeitinho", o Brasil honesto precisou da interferência do Poder Judiciário para que fosse dado o primeiro passo rumo à eliminação de um (mau) costume que há séculos macula moralmente a vida pública. Está claro na súmula: viola a Constituição Federal a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral, ou por afinidade, até o terceiro grau para cargo em comissão ou de confiança, ou função gratificada na administração pública, direta ou indireta, em quaisquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, e dos municípios.

Parece dispensável lembrar, no entanto, que se a obediência aos princípios constitucionais da moralidade, da impessoalidade, da eficiência administrativa e da igualdade fosse seguida pelos homens e mulheres públicos, o gesto reprovável jamais viraria uma prática disseminada por todo o território nacional. Conforme sublinhou a ministra Cármem Lúcia Rocha, na sessão de quarta-feira, bastaria que os mandatos fossem exercidos com decência. A regra parece elementar aos olhos de um cidadão de bem. Mas não para quem tem vocação para a desfaçatez.

Seguir essa regra básica, comum às pessoas éticas, seria suficiente para que toda a engrenagem da gestão pública girasse livre do oportunismo de parasitas cujas contratações respeitaram apenas um requisito básico em seus currículos: o sobrenome. O nepotismo se entranhou de tal forma na vida pública brasileira que contaminou todas as esferas dos três poderes e se espalhou por todos os recantos do país. Criou tentáculos que confundem a opinião pública e a leva a crer que tal atitude nociva é algo plenamente previsível e aceitável. Não é.

Louvável também a iniciativa do STF de ceifar o igualmente nefasto nepotismo cruzado ­ quando há indicação de um parente para um posto no gabinete do colega parlamentar e, este aceita, em troca, a indicação do familiar daquele que lhe prestou o favor. A prática transforma legisladores e administradores em verdadeiros feudalistas do serviço público. Dividem, afinal, o funcionalismo em territórios cujas fronteiras obedecem ao poder de influência política de cada "senhor".

A boa notícia é que a pressão decorrente da decisão do STF começa a gerar bons frutos. Um levantamento do JB, publicado na edição de hoje, mostra que, no mínimo, 30 deputados federais nomearam familiares para cargos em seus gabinetes. No Senado, dois casos se tornam mais evidentes. O primeiro-secretário Efraim Morais (DEM-PB) presenteou, pelo menos, quatro parentes com vagas na Casa. Por outro lado, o precavido senador Garibaldi Alves (PMDB-RN) já anunciou que determinará a exoneração do sobrinho que ocupava um cargo em seu gabinete.

Em todos os casos, deve prevalecer o óbvio: uma dose razoável de ética e bons costumes constitui um ótimo remédio para secar essa fonte de atitudes imorais que habita na essência de nossos parlamentares e administradores públicos. O lado mais perverso do nepotismo está na constatação de que o protagonista de tal ato embaralha a questão pública com a privada, e transforma os meios públicos de produção em escritórios da vida particular de cada um. A confusão entre o patrimônio público e privado fere os ideais dos que elegeram representantes acreditando que os escolhidos seriam os mais qualificados para gerir aquilo que é de bem comum. O país, felizmente, começa agora a lancetar tais tumores.