Título: Verba da Saúde é usada para indenizar assalto
Autor: Hugo Marques
Fonte: Jornal do Brasil, 24/02/2005, País, p. A7

CGU investiga prefeitos que desviam dinheiro até para comprar videokê

Além da compra de medalhas, flores, combustível e fotocópias e aluguel de videokê, o dinheiro que os municípios recebem da União - para investir em Educação e Saúde - é usado para ressarcir até prejuízo decorrente de assalto. A prefeitura de São José de Caiana (PB) incluiu nas despesas do Piso de Atenção Básica (PAB), do Ministério da Saúde, uma conta de R$ 2,8 mil do assalto que vitimou o motorista do município. No texto do relatório da Controladoria-Geral da União (CGU), os técnicos relatam que é uma despesa efetuada de R$ 2,8 mil para ''atender o pagamento em decorrência de um assalto'' em Itabaporanga ''com o motorista''. A CGU pediu a glosa da despesa na conta do PAB, mas o comunicado da prefeitura de São José de Caiana chamou a atenção dos técnicos. ''Ora, senhores auditores'', diz a prefeitura, para em seguida perguntar como é possível glosar uma importância furtada. ''Injustiça seria se fizéssemos o motorista pagar por ter sido roubado'', justifica a prefeitura.

São José de Caiana utilizou indevidamente recursos do PAB para também pagar despesas com fotocópias, telefone e combustível. O dinheiro do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil foi usado indevidamente para comprar lápis de cera, feijão carioquinha e isopor, entre vários outros itens, que não foram encontrados pela CGU nos estoques locais. A CGU responsabiliza o prefeito de São José de Caiana, Gildivan Lopes da Silva, por um prejuízo de R$ 15,2 mil ao município.

Os relatórios de fiscalização do 12º sorteio da CGU mostram vários outros tipos de irregularidades. A prefeitura de Rio Brilhante (MS) gastou R$ 29,2 mil do PAB em despesas não autorizadas, onde se inclui medalhas, troféus, pagamento de juros, arranjos de flores, serviços de auditoria e aluguel de videokê. O então prefeito Paulo Ezio Cuel tentou justificar afirmando que o material foi utilizado em uma conferência de saúde bucal.

Desvios semelhantes foram encontrados no município de Itapira (SP), que gastou dinheiro do PAB na compra de mudas, terra vegetal, vasos e exaustor. A prefeitura de Ernestina (RS) usou dinheiro do programa de Valorização da Saúde do Idoso na compra de arranjos de flores, fotografias e fitas.

As compras das prefeituras muitas vezes afetam áreas sensíveis. Em Graça Aranha (MA), a prefeitura só fornece biscoitos de água e sal na merenda escolar. Os técnicos da CGU entraram no galpão da merenda e encontraram um grande depósito de biscoitos e quase nada de comida servida em escolas.

Quando não compram de maneira errada, algumas prefeituras somem com o dinheiro da merenda. A prefeitura de Ji-Paraná (RO) gastou R$ 119 mil do Ministério do Esporte em lanches que seriam servidos a 1.300 alunos. A empresa que ganhou a licitação, a V.S.Vieira, terceirizou a entrega de lanches para a Panificadora Tai Pão e os alunos só receberam R$ 8,4 mil em lanches. Para a CGU, foram pagos indevidamente R$ 111,5 mil, com autorização do secretário de Fazenda de Ji-Paraná, Florisvaldo Alves Silva.

É na mesma Ji-Paraná que a Mendes Júnior Trading e Engenharia ''cedeu'' um contrato de R$ 7,2 milhões para a GM Engenharia. Mesmo com o repasse da totalidade do dinheiro do Ministério da Integração Nacional, as obras, para contenção de enchentes, estão abandonadas. Além da paralisação das obras, o superfaturamento do contrato é calculado pelo governo em R$ 1,6 milhão.

A investigação da CGU mostra ainda que as prefeituras e os cartórios não conseguem atualizar os bancos de dados e isso acaba afetando os programas sociais da União. Em Janaúba (MG), 253 beneficiários de programas sociais têm pelo menos dois números de identificação social (NIS). Foram registradas 278 ''cumulatividades indevidas'' de programas sociais em Janaúba.

Em Campos Gerais (MG), 190 beneficiários possuem dois NIS. Em Itacambira (MG), 65 números de NIS carreiam benefícios no valor de R$ 40 mil anuais ''erroneamente'', segundo a CGU. Nos municípios de Praia Grande (SC) e Riacho de Santana (RN) foram encontrados beneficiários da Previdência mortos. Em Parintins (AM), a conta de uma aposentada morta em 1993 recebeu cerca de R$ 34 mil.

Quando não lesam os moradores, alguns prefeitos os insultam. O então prefeito de Riachão (MA), Francisco das Chagas Rodrigues, distribuiu várias ofensas aos professores, nos contra-cheques locais. No pagamento de fevereiro de 2003, a primeira mensagem: ''O grito histérico dos revoltados não abafa a gargalhada dos vitoriosos''. Em julho, mais ofensa: ''Os vitoriosos não devem ouvir o ladrar dos derrotados. Atrapalha''. Em dezembro: ''Quem nasce cobra, terá sempre que rastejar''. Até o contra-cheque do 13º trouxe ofensa do prefeito: ''Difícil a união de gatos e cachorros: miados e latidos não se solfejam''. O homem se diz escritor.