Título: Governo usa royalties para fazer caixa
Autor: Loureiro, Ubirajara
Fonte: Jornal do Brasil, 24/08/2008, Economia, p. E2

Para engordar superávit primário, Tesouro deixou de aplicar 96% do que recebeu dos recursos do petróleo.

Números do orçamento indicam que a maior parte dos recursos dos royalties recebidos pela União não é liberada pelo Tesouro. Serve para engordar o superávit primário e não para aplicar em destinos muito mais nobres, como o aventado ultimamente pela cúpula do governo no debate do pré-sal: a educação. O levantamento foi feito pela ONG Contas Abertas a pedido do JB.

Ano passado, do total de R$ 7,19 bilhões que, por força de lei, deveriam ser repassados pela União aos Estados para programas dos ministérios das Minas e Energia, Meio Ambiente e Ciência e Tecnologia e pelo Comando da Marinha, foram efetivamente executados R$ 888,6 milhões ¿ 12,34% do total. Até agosto, a tendência agravou-se: de uma dotação de R$ 8,7 bilhões, maior que em todo o ano passado, chegaram ao destino R$ 358 milhões ¿ 4% do total devido. Os outros 96% ficaram no caixa da União.

¿ Com o contingenciamento, o governo poupa recursos que seriam suficientes para pagar algo em torno de 70% do programa Bolsa Família ¿ diz um importante aliado do governador Sérgio Cabral, que já se colocou contra as mudanças na distribuição dos royalties do petróleo apoiadas pelo Planalto. Para isso, pretende angariar o apoio de colegas de outros Estados, também produtores de petróleo. Já fez isso com Espírito Santo e Sergipe.

A situação mais grave ocorre com a brutal redução nos recursos de royalties que deveriam ir para os ministérios do Meio Ambiente e das Minas e Energia: das dotações autorizadas de R$ 4,16 bilhões e R$ 1,1 bilhão, chegaram aos cofres das pastas apenas R$ 17,4 milhões (0,38%) e R$ 400 mil (0,04%), respectivamente.

¿ Como a Lei 9.478 estabelece que as receitas oriundas quer dos royalties quer do petróleo não podem ter outro destino, os valores constam do orçamento da União ¿ explica o professor John Albuquerque Forman, ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e ex-presidente da Nuclebrás e das Indústrias Nucleares do Brasil. ¿ Só que o governo usa no chamado contingenciamento, que consiste em não gastar as receitas certas, senão as contas não fecham, já que a arrecadação não cobre as despesas.

Teoria x prática

Professor universitário aposentado, Forman ressente-se mais com a situação do Ministério da Ciência e Tecnologia, que, neste ano deveria receber R$ 1,43 bilhão e que, até agosto, recebeu apenas R$ 96 milhões ¿ apenas 6,6% do total:

¿ Do total dos royalties, 25% caberiam ao Ministério da Ciência e Tecnologia para realização de pesquisas e estudos, ou seja, educação senso lato. Esta é uma situação típica do Brasil, onde se imagina que as leis resolvem tudo mas, na hora da execução, tudo muda

Segundo Forman, o governo tem despesas fixas muito grandes, que tem que cobrir, como pagamento de pessoal. Cria estruturas imensas, que consomem enorme volume de dinheiro, e com isto nada sobra investimento, mais importante para o desenvolvimento do país. As despesas fixas não podem ser cortadas, porque funcionário publico não pode ser despedido, não pode ficar sem mesa, luz, cafezinho.

Diante desse quadro, e aludindo ao preconizado uso dos recursos do pré-sal em um fundo voltado especialmente para a educação, Forman se confessa cético:

¿ Não adianta criar fundo para educação, porque os recursos não vão chegar à educação, em vista da sistemática adotada para a a execução da Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei Orçamentária anual.

O governo federal simplesmente não cumpre as vinculações originais dos recursos do petróleo.