Título: O desafio Putin à frente de Bush
Autor: Arthur Ituassu
Fonte: Jornal do Brasil, 24/02/2005, Internacional, p. A8

Discurso da democracia deve ficar do lado de fora da reunião entre os presidentes da Rússia e dos EUA, hoje, na Eslováquia

Os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e dos Estados Unidos, George Bush, vão se reunir hoje, em Bratislava, na Esolváquia, na última etapa dos cinco dias de visita de Bush à Europa.

Ontem em Mainz, na Alemanha, o presidente americano disse que deseja tratar com o presidente russo do ''processo de tomada de decisões'' em Moscou. No entanto, a declaração e outras que tratem dos assuntos internos russos devem ficar do lado de fora da sala de reunião. Ao fim do encontro, se tudo der certo, a imprensa não deve ter mais que afirmações cautelosas de cordialidade. Se tudo der errado, há espaço para resultados desagradáveis. Um presidente da Rússia é bem diferente de um presidente francês.

Na segunda-feira, quando chegou em Bruxelas, Bush afirmou que para a Rússia ''progredir como uma nação européia'', deve ''renovar o comprometimento com a democracia e com a Lei''. A idéia é protestar contra as recentes reformas políticas de Putin, que centralizam o poder em Moscou, em especial depois do atentado de Beslan e das revoluções ''rosa'', na Geórgia, e ''laranja'', na Ucrânia, onde o Kremlin ficou com a imagem manchada por apoiar candidatos sob supeita de fraudes eleitorais.

Putin respondeu no dia seguinte. Afirmou que ''os fundamentos da democracia e as instituições democráticas devem se adaptar à realidade, à tradição e à vida russa''. A tradução é a de que o Kremlin não quer saber dos modelos de democracia e livre mercado da Casa Branca, nem mesmo da intromissão do governo americano nos assuntos internos russos.

Desde o fim da Guerra Fria, os EUA assumiram o papel de garantidor da transição de Moscou rumo a um regime liberal. O problema é que a democratização e a privatização na Rússia geraram, como dizem alguns analistas, uma ''cleptocracia'': ganha quem rouba mais ou primeiro. Não à toa, a população em geral culpa a influência americana pelo resultado, o que fortalece Putin na relação com Washington.

Se Bush levantar a bandeira da democracia em Bratislava, Putin vai responder com os interesses nacionais russos, em um diálogo tradicional dos dois lados, como foram, por exemplo, as relações de Franklin Delano Roosevelt com Josef Stalin após a queda do inimigo comum Adolf Hitler e o fim da Segunda Guerra Mundial.

Hoje, a influência de Washington não é tida como positiva entre o eleitorado russo. Se o presidente americano pressionar em assuntos internos de Moscou, Putin vai protestar, terá que mostrar publicamente que não concorda. Para se fortalecer internamente, basta enfrentar o discurso americano.

Ao mesmo tempo, os EUA precisam da cooperação de Moscou em pelo menos dois pontos: na guerra contra o terror e na garantia da segurança energética americana.

No primeiro, estão em jogo a proliferação atômica e o programa nuclear iraniano - que envolve negociações de Teerã com o Kremlin para material, equipamentos e apoio político. Além disso, há o problema da segurança dos artefatos russos e do mercado internacional de armas e tecnologia militar.

Washington não quer ver a China adquirir armas made in Russia - em função do impasse diplomático de Taiwan -, muito menos admite que a Síria compre os mísseis antiaéreos que negocia com Moscou e que americanos e israelenses temem cair nas mãos do Hisbolá.

Ainda, a Rússia ganha peso como fonte alternativa de energia no mercado internacional, concentrado no turbulento Oriente Médio e na complicada Venezuela, de Hugo Chávez.

Petróleo e Gás têm sido os principais produtos da economia russa. Metade do valor das exportações do país vem do mercado de energia. Analistas estimam que cada US$ 1 que sobe no preço do petróleo, Moscou ganha entre US$ 1.5 e US$ 2 bilhões a mais em um ano. Empresas russas de petróleo já extraem na Argélia, no Sudão e no Líbano, com postos de gasolina nos EUA e refinarias na Ucrânia, na Romênia e na Bulgária. A União Européia compra mais da metade do petróleo russo exportado, o que corresponde a 16% do consumo europeu.

''A oferta de petróleo e gás da Rússia ajuda a limitar a flutuação dos preços e aumenta a segurança energética dos EUA'', diz a consultoria americana Stratfor.

Assim, boa parte dos analistas esperam que Bush controle o discurso da democracia, sob pena de perder um aliado de peso. Ainda mais pelo fato de que a especialidade da professora Condoleezza Rice, hoje secretária de Estado, são as relações Washington-Moscou. Com vários livros publicados sobre o tema, Rice estará com o presidente dos EUA, em Bratislava.