Título: O CPI do bom estado
Autor: Alfredo Ruy Barbosa
Fonte: Jornal do Brasil, 24/02/2005, Outras Opiniões, p. A11

O Clube dos Parlamentares Intocáveis realizou mais um evento

Não pense o caro leitor que há um erro de digitação no título desta crônica. O CPI (e não ''a'' CPI) é o Clube dos Parlamentares Intocáveis, que acaba de realizar mais um dos seus eventos prediletos: a eleição de um presidente da Câmara dos Deputados que prometeu, durante a sua campanha, que irá aumentar o ''pequeno'' salário dos deputados federais de 12 mil para 21 mil reais e elevar as chamadas ''verbas de gabinete'' para que cada deputado possa contratar 20 ou 30 assessores. O novo presidente da Câmara alegou que estaria apenas cumprindo a Constituição, mas parece ter esquecido de ler os arts. 37, inciso XI, e 39, parágrafo 4º, da Lei Maior, que dizem, em resumo, o seguinte: ''XI - a remuneração e o subsídio (...) dos detentores de mandato eletivo (...), ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal (...)''. Por sua vez, o parágrafo 4º do art. 39 da Constituição acrescenta o seguinte: ''O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo (...) será remunerado exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória (...)''. A simples leitura desses dispositivos constitucionais demonstra, claramente, que a soma das vantagens prometidas pelo novo presidente da Câmara não poderá exceder os 21 mil reais que atualmente remuneram os Ministros do STF. Mas se essa soma for feita hoje, possivelmente o valor total das atuais ''vantagens'' dos deputados já deve ter excedido esse limite. Portanto, o novo presidente da Câmara deveria ter lido o texto constitucional, pertinente ao subsídio dos congressistas, antes de prometer aos seus aliados algo que não pode ou, pelo menos, não deve cumprir. Outro evento recente do CPI foi o arquivamento de um inquérito que poderia gerar o indiciamento criminal de alguns de seus membros: a CPI do Banestado, um dos mais rumorosos processos de investigação de desvio de dinheiro público, sobre o qual paira um grande silêncio para mantê-lo esquecido na memória do nosso povo. É exatamente para isso que existe o CPI, que, como se sabe, transformou esse inquérito numa grande ''pizza'',

Para os membros ''do'' CPI, o ''Bom Estado'' é aquele onde eles aumentam seus próprios salários e ''vantagens'', mesmo contrariando a Constituição, e trabalham nos bastidores para que nenhum parlamentar ''amigo'' seja punido. São raras e louváveis as vozes de congressistas que se erguem contra esses abusos. Apenas essa minoria deseja, realmente, aprovar uma reforma política no Brasil. Já os membros do CPI sequer desejam falar sobre esse projeto. Afinal, são eles os árduos defensores do Bom Estado, que lhes garante o gozo de muitas mordomias pagas com o sacrifício do povo brasileiro. Um carrão moderno; 20 ou 30 assessores; passagens aéreas, correio e celulares gratuitos; verbas de gabinete, além de um elevado salário e dos famosos ''jetons''; enfim, esse é o fabuloso acervo do Bom Estado, que os membros do CPI lutam arduamente para preservar. Isso sem falar na permanente impunidade dos seus membros.

Em alguns países, o Poder Legislativo é chamado de Congresso e em outros de Parlamento. Mas, na visão de muitos brasileiros, a maioria das decisões dos nossos congressistas - seus acordos internos, com base no ''é dando que se recebe'', e tudo aquilo que é defendido pelo CPI - chega ao nosso povo não como os atos de um Congresso, mas de um ''Para Lamento Nacional''.