Título: As razões imperativas na questão de Roraima
Autor: Mauro Santayana
Fonte: Jornal do Brasil, 28/08/2008, Tema do Dia, p. A2

Qualquer que tenha sido a razão do ministro Menezes Direito em pedir o adiamento da decisão do STF sobre a demarcação das terras indígenas do nordeste da Roraima, ele servirá para o aprofundamento do debate nacional sobre o assunto. Nunca é demais repetir que o problema é mais amplo e mais complexo do que pode parecer. Em primeiro lugar, a questão da soberania nacional, que deverá prevalecer sobre todas as outras. O território pertence ao Estado de Roraima. Tendo em vista o sistema federativo, o Estado deveria decidir sobre suas questões internas. Ocorre que as terras, ocupadas pelos índios, pertencem à União, de acordo com a carta constitucional em vigor, que tem repetido o mesmo princípio vindo dos tempos do Império. Sendo assim, a autonomia do Estado de Roraima é limitada pela razão maior, que é a da nação. Nesses momentos verificamos que a transformação dos antigos territórios em Estados não foi o melhor caminho para a defesa dos interesses nacionais nas regiões de fronteira.

Entendendo-se como imperativa a questão da soberania nacional, sobretudo com os exemplos históricos e recentes de conflitos étnicos em faixas de fronteira no resto do mundo, seria importante repensar os estatutos constitucionais dos Estados brasileiros que se encontram nessa situação geográfica. É necessário que se respeite a sua autonomia, mas é indispensável que compartam, com a União, a responsabilidade pela manutenção da ordem política e da integridade territorial, diante da proximidade de nações estrangeiras. Não é tarefa fácil manter boas relações com os vizinhos, na estreita faixa entre o respeito ao direito alheio, e o nosso direito, sem concessões substantivas, sem arrogância e sem submissão. Os Estados fronteiriços devem atuar com inteligência política, mas sempre contando com incidentes eventuais. Embora pequenos, e resolvidos mediante a moderação de nossas autoridades fronteiriças e das autoridades dos países vizinhos, sempre surgem problemas, principalmente nos rios que nos servem de linhas divisórias. Uma das outras formas de cooperação entre o governo da União e os governos desses estados poderia ser a presença de diplomatas de carreira, que os assessorariam nas inevitáveis relações com os vizinhos mais próximos. Há sempre boas relações, entre as autoridades regionais de um lado e outro da fronteira, conforme o exemplo de cooperação entre o Paraná e seus vizinhos da Argentina e do Paraguai.

A essa circunstância de um modo geral se acrescem os problemas próprios das populações indígenas. É preciso entender que todos os direitos devem ser concedidos tendo em vista a necessidade. Se os indígenas das várias etnias de Roraima fossem nômades, e vivessem exclusivamente da coleta e da caça, seu espaço vital deveria ser de amplas dimensões. Só em pequenas tribos a propriedade continua sendo coletiva. Como ocorre no resto do Brasil, e no resto do mundo, há ali índios ricos e índios pobres, conforme relatório dos parlamentares que estiveram na região. Alguns índios possuem rebanhos (calcula-se em mais de 30 mil cabeças o gado bovino da região), muitos são agricultores e outros são assalariados dos fazendeiros, sobretudo dos cultivadores de arroz. Como ocorre em outras regiões do interior do país, há os que sonham em viver nas grandes cidades do sul, e há muitos com formação universitária. Isso reduz o espaço de que necessitam, seja para a pecuária, seja para a agricultura. De qualquer forma, as terras, sendo da União, não podem ser transferidas, de direito, para a propriedade privada de ninguém. Por isso se faz necessário esclarecer a que título os arrozeiros exploram as terras de Roraima. Quem os autorizou a fazê-lo, e a partir de que instrumentos legais. Uma das primeiras providências seria a de lhes impor o arrendamento das glebas, com as receitas sendo utilizadas, da melhor forma, na assistência às populações autóctones.

O reexame da situação é necessário, para que se preservem os direitos dos índios, sem prejudicar os fundamentos da integridade nacional. Isso só será possível com a cessão parcial dos interesses de todas as partes envolvidas. Acima de suas razões, por mais legítimas lhes pareçam, se encontram os direitos de todos os demais brasileiros, também senhores daquelas terras.