Título: Com a palavra, o Congresso
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 28/08/2008, Opinião, p. A8

Não resta dúvida sobre a relevância das questões em foco para a lisura dos futuros pleitos.

O Brasil de bem está farto das intermináveis promessas de ver concretizada, enfim, a mãe de todas as reformas ¿ a reforma política. Tão anunciada quanto abandonada ao sabor das circunstâncias, esta agenda costuma ganhar impulso diante de turbulências políticas, mas é empurrada para as gavetas do Congresso ao primeiro sinal de calmaria. Daí porque, apesar das críticas dos partidos de oposição, é alvissareira a iniciativa do governo federal de apresentar uma proposta de reforma.

A corrida do Palácio do Planalto alcança agora uma nova etapa. O encontro entre os ministros da Justiça, Tarso Genro, e de Relações Institucionais, José Múcio, com o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, para a entrega de uma minuta com sugestões governamentais para a questão, coloca definitivamente nas mãos do Congresso o rumo das mudanças. Os múltiplos interesses que entram em campo durante o jogo político certamente pesaram ao longo desses 10 anos em que o assunto entrou e saiu da pauta com impressionante fluidez. Agora o tema é recebido no Legislativo cercado de reticências sobre a prioridade de votação. Lamentável que o tom hesitante possa sinalizar a hipótese de o plano correr o risco de permanecer estagnado novamente.

Se a oposição critica o governo pela iniciativa ou pelas propostas ali contidas, que o Congresso possa debater e modificar. É do jogo da democracia. O fato é que, há algum tempo, a sociedade aguarda por uma moralização das relações políticas e, sem dúvida, a melhor hora para discutir e aprovar questões sobre o tema é o intervalo entre os períodos eleitorais, como, por exemplo, o próximo ano. Neste quesito, quanto antes o projeto começar a tramitar, mais cedo a atuação política concorrerá para formar um cenário mais transparente. Oportunamente, o governo conjugou com este pensamento e encaminhou ao Congresso a proposta segmentada, com as questões sobre fidelidade partidária, lista fechada de candidatos, financiamento público de campanhas, inelegibilidade, fim das coligações proporcionais sob forma de projeto de lei, e, na forma de emenda à Constituição, a cláusula de barreira ¿ também chamada de cláusula de desempenho. A fórmula contribui para aliviar a tensão que pesa no Três Poderes sobre a quem de fato cabe legislar, depois da sentença do Supremo Tribunal Federal fulminando o nepotismo.

O Brasil experimenta uma enorme diversidade partidária tão extensa que é capaz de confundir o eleitor e abrir brechas para o oportunismo de alguns políticos de última hora ganharem força em partidos nanicos. A proposta de regulamentar essa relação a partir de uma reforma partidária, de evitar candidaturas atreladas de forma obscura com a contribuições oriundas da iniciativa privada, chanceladas como moedas de troca, e zelar para que eleitos sejam fiéis às ideologias às quais se comprometeu com o eleitor são obrigações que esperamos ver estabelecidas em papel a tempo da próxima mudança de executivos e legisladores.

Não resta dúvida sobre a importância das questões em foco para promover a lisura dos futuros pleitos e garantir uma atuação político-partidária fiel aos anseios dos eleitores. Também não resta dúvida de que falta justificativa capaz para adiar a análise das propostas apresentadas pelo governo. Protelar a discussão no Congresso no momento em que o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, defende publicamente a importância da votação do projeto que aumenta os salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal pode gerar uma contradição grave. Se, por um lado, o presidente da Câmara defende salários compatíveis para os ministros, a sociedade espera igualmente leis que respeitem o anseio político dos eleitores, condizentes com uma sociedade que assistiu há mais de 20 anos à abertura política que culminou com o retorno das eleições livres e diretas para presidente da República.