Título: Extraordinárias mudanças
Autor: José Dirceu
Fonte: Jornal do Brasil, 28/08/2008, Opinião, p. A9

ex-ministro chefe da Casa Civil

Estamos vendo nascer um outro mundo, pós queda do muro de Berlim, com a ascensão da China a potência mundial como país desenvolvido, ou o ressurgimento da Rússia como centro de poder, não só econômico mas, agora, também militar. Mudanças que se expressam simbolicamente na Olimpíada em Pequim e na reação militar russa à invasão da Ossétia do Sul pela Geórgia. Quais serão as conseqüências, nos próximos 20 anos, dos desafios que enfrentam os Estados Unidos e a Europa e como o mundo receberá esse novo poder geopolítico, militar e econômico, ou seja, a Ásia?

Não é somente a China que se desenvolve a um ritmo que, em 2030, terá o PIB atual dos Estados Unidos e será a segunda economia do mundo, mas toda a Ásia, incluindo a Índia ¿ estamos falando de quase a metade da população do mundo de hoje. As mudanças no desenvolvimento do chamado Bric (bloco de países em desenvolvimento formado por Brasil, Rússia, Índia e China) e de toda Ásia já são sentidas no mundo, seja no meio ambiente, na pressão sobre a demanda de alimentos e matérias-primas, no equilíbrio mundial do poder ¿ um exemplo são as negociações de Doha, inviabilizadas pela posição da Índia e da China ¿ no comércio mundial, na direção dos investimentos externos, na demanda por tecnologia e equipamentos.

A própria aventura americana no Afeganistão e Iraque e as conseqüências da era Bush e republicana nos Estados Unidos permitiram a ascensão de novos centros de poder mundial. Na Ásia, em torno da China e da Índia; na Europa será em torno ou na solidão do gigante russo que ressurge; na África, ainda sem liderança definida; e na América do Sul, em torno do Brasil, se assumirmos como interesse nacional a política de integração regional. A força da atração desses novos centros é econômica ¿ mercados para investimentos ou fonte de matérias-primas ou alimentos ¿ e geopolítica. Nesses países reside hoje o dinamismo da demanda mundial. Mas não são só importadores de produtos acabados e exportadores de matérias-primas, mas também importadores de matérias-primas e alimentos e centros de exportação de capitais, tecnologia e serviços.

Esses países têm, em comum, algumas características que precisam ser destacadas: nível de desenvolvimento econômico e social que os retira da periferia do mundo e os coloca no centro do poder; populações numerosas; grandes territórios; muitos recursos naturais; e, a exceção do Brasil, são potências militares e políticas regionais e contam com o poder atômico. Saíram da pré-história do desenvolvimento tecnológico, são sociedades em crescimento, plurais e complexas, com instituições típicas dos mercados desenvolvidos, como na área financeira, por exemplo. Todos os integrantes do Bric detêm, alguns para exportação, as bases do ciclo de energia ¿ água, carvão, petróleo, gás, urânio e biocombustíveis ¿ além de terras férteis.

O mais importante é a determinação desses países de se desenvolverem e ocuparem seu lugar regional e mundial, e não permitir que as decisões econômicas, ambientais, comercias, diplomáticas fiquem restritas às potências do século 20. Também vale destacar a aceitação desse papel por seus pares regionais ou parceiros estratégicos, o que, em definitivo, muda o mundo que vimos nascer com a queda do muro de Berlim e o esfacelamento da União Soviética. Essa é a lição que o Brasil precisa captar. As políticas de desenvolvimento desses novos centros do poder mundial são expressão da vontade política nacional, que decorre da compreensão do novo papel que essas nações têm a desempenhar no mundo.