Título: Países vizinhos, caminhos opostos
Autor: Downie, Andrew
Fonte: Jornal do Brasil, 29/08/2008, Economia, p. A20

Enquanto o Brasil estimula exportações, Argentina busca dividir lucros agrícolas em casa.

THE NEW YORK TIMES

Luciano Alves plantou feijões, milhos e grãos em cerca de três mil hectares de sua fazenda no sul do Brasil no ano passado. Este ano, está cultivando 3.500 hectares. O agricultor credita o aumento ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

¿ O governo está nos ajudando a financiar a compra de novas máquinas. Reduziu as taxas de juros que pagamos e nos deu mais tempo para quitar os empréstimos. Isso é fundamental ¿ conta Alves.

A alta dos preços dos alimentos leva muitos agricultores no mundo a terem lucros recordes. E as potências agrícolas da América do Sul, Brasil e Argentina, têm posições divergentes em relação ao setor.

O governo Lula anunciou, recentemente, créditos agrícolas recordes, uma forma indireta de subsídios, para estimular os agricultores brasileiros a produzirem mais no momento em que o preço de suas exportações está alto nos mercados mundiais, medida que deve melhorar a economia do Brasil. Mas a Argentina, rival político e econômico do Brasil, decidiu dividir os lucros agrícolas em casa.

Preocupado com a onda de inflação no mundo, o governo da presidente da Argentina, Cristina Fernández Kirchner, aumentou as taxas de exportações para alguns produtos, com o objetivo de baixar os preços de alimentos para o mercado interno, estimulando os agricultores a abrirem mão de lucros com o comércio exterior para vender mais internamente.

¿ Em nosso país, o governo está tentando pegar dinheiro para subsidiar outros setores da economia. ¿ revolta-se Eduardo Cucagna, presidente da FN Semillas, empresa argentina de sementes. ¿ O Brasil está fazendo o oposto, se adaptando ao que o mundo está oferecendo. Os governantes brasileiros estão certos.

Na corrida para lucrar no estreito mercado de alimentos global, o Brasil tem inúmeras vantagens em relação ao vizinho. É muito maior, com 70 milhões de hectares de terra sob cultivo, mais que o dobro que a Argentina. Tem uma gama muito maior de produtos agrícolas para exportação. E, enquanto a Argentina é o segundo maior exportador mundial de milho e terceiro de soja, o Brasil é o primeiro ou segundo maior exportador mundial de carne, soja, suco de laranja, frango, açúcar e café.

O governo brasileiro quer que a situação continue assim. No mês passado, anunciou uma linha de crédito de US$ 49 bilhões (R$ 78 bilhões) para agricultores, alta de 12% em relação ao total do ano passado.

¿ Precisamos dar incentivos aos produtores porque as pessoas estão comprando e comendo mais - explica Reinhold Stephanes, ministro da Agricultura do Brasil. ¿ E essa é nossa oportunidade de produzir e exportar mais, além de ajudar a reduzir a fome no mundo.

A maior parte da linha de crédito vem na forma de taxas de juros reduzidas e períodos mais longos para quitação de empréstimos. Mais de US$ 40 bilhões estão reservados para o agronegócio, e o resto é para ajudar pequenos agricultores.

As principais metas do governo são ajudar os produtores a se expandirem para terras disponíveis e aumentar a produtividade na terra atual. O governo estima que existem 90 milhões de hectares não usados e disponíveis para o cultivo.

¿ Nossa produtividade não pode continuar a mesma se as pessoas vão comer mais. Temos de plantar mais ¿ observa Lula se referindo às crescentes, e cada vez mais ricas, populações na China, Índia e América Latina.

Protestos de agricultores

Na Argentina, o governo Kirchner tentou aumentar as taxas para a exportação de grãos e soja de acordo com os preços mundiais crescentes. A decisão tinha o objetivo de obrigar os agricultores argentinos a vender seus estoques internamente, criando um excesso de oferta interna que manteria os preços baixos e a inflação em xeque.

Mas, em vez de obter recursos do setor agrícola, o governo conseguiu uma onda de protestos. Os impostos sobre a soja, produto para exportação mais importante da Argentina, aumentaram para quase 50%. O governo também irritou os agricultores, que fizeram manifestações, por vezes violentas, nas estradas. Depois de semanas de tenso debate, o Senado votou contra a medida no dia 17 de julho. A taxa agora está fixada em 35%.

Segundo Simla Tokgöz, analista de grão internacional no Instituto de Pesquisa de Política de Agricultura e Alimentos, a volatilidade a curto prazo acontece em todos os países. A longo prazo, diz ele, a Argentina tem grande potencial para aumentar a produção e continuar a ser grande exportadora de grãos e sementes.