Título: Motorista e cobrador de Van espancam cego
Autor: Leandro Bisa
Fonte: Jornal do Brasil, 12/02/2005, Brasília, p. D5

Conflito começou quando o deficiente exigiu entrar na Van com seu cão-guia

Há 13 anos o funcionário público Kester Britto Silva, de 33 anos, perdeu a visão, em razão de uma doença genética. Em todo esse tempo, enfrentou diversas situações difíceis, mas nada supera o que viveu no início da noite de quarta-feira. Discriminado pelo motorista e a cobradora de uma Van do transporte alternativo, que não queriam permitir a entrada dele e de seu cão guia no veículo, Kester protestou e exigiu seu direito. Acabou enganado. Foi levado para um local ermo, no Setor de Clubes Norte e espancado, segundo ele, pelo motorista e cobradora. Entretanto, mesmo machucado, num lance de sorte e inteligência, conseguiu arrancar a placa da Van sem que seus agressores percebessem. Foi encontrado por policiais militares que patrulhavam a área e socorrido. O motorista Wilmar Gomes de Araújo, 42 anos e a cobradora Karla Ferreira de Sousa, de 25 anos, acabaram presos. Wilmar teve sua permissão de operar no Serviço de Transporte Público Alternativo de Condomínios (STPAC) cassada.

Ainda ontem à noite, o casal foi a julgamento no 3º Juizado Criminal, que funciona na Delegacia de Repressão a Pequenas Infrações (DRPI). O motorista e cobradora foram condenados a pagar uma indenização de R$ 1 mil a Kester e ainda a prestar serviços à Associação Brasiliense de Deficientes Visuais durante 300 dias.

Kester e o cão Nickel, da raça labrador, entraram na Van no Recanto das Emas, cidade onde moram. Kester afirma que motorista e cobradora não quiseram que ele entrasse, alegando não ser permitido transportar cachorros. O deficiente citou as leis que garantem seu direito e, junto com Nickel, entrou na Van, graças ao apoio de outras pessoas que estavam na parada.

- Ele disse: ''além de não pagar passagem, carrega cachorro''. Eu respondi: ''Se você acha que estou errado, vamos para a delegacia - contou Kester.

Na Rodoviária do Plano Piloto, segundo o deficiente, o motorista esperou todos os passageiros desembarcar e, quando Kester ia sair, a cobradora fechou a porta. O motorista teria dito que iria levá-lo a uma delegacia. Em vez disso, foram para o Setor de Clubes Norte.

No local, o motorista e a cobradora começaram a agredir o deficiente, tentando-o arrancar da Van à força. Kester afirma ter sido estrangulado. Na porta do veículo, o deficiente decidiu enfrentar os agressores. Caíram no chão e rolaram até a parte traseira do veículo. Kester foi deixado no chão e motorista e cobradora entraram na Van. Procurando apoio, o deficiente tateou o pára-choque. Suas mãos tocaram à placa no momento em que a Van arrancou.

Minutos depois, policiais que patrulhavam a área encontraram Kester.

- Ele estava chorando e gritando por socorro. Sua pasta e óculos estavam no mato - disse o cabo Alexandre Miné, que sequer precisou consultar a placa, pois o motorista da Van percebeu que a havia perdido e voltou ao local. Começou uma perseguição e os agressores foram presos. Wilmar e Karla foram indiciados por lesão corporal leve e podem ser condenado a um ano de prisão. Também podem pagar multa ou prestar serviços comunitários.

A promotora de Justiça de Defesa do Deficiente e do Idoso, Sandra Julião, explicou que Lei Distrital 2996/02 e a Lei Federal 5296/04 permitem que deficientes visuais e seus cães guias possam entrar em qualquer lugar ou veículo público.

- Ele não é um cão. São meus olhos - disse Kester.