Título: O Brasil quer uma resposta efetiva
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 04/09/2008, Opinião, p. A9

O dia seguinte ao afastamento do diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Paulo Lacerda, foi recheado de manifestações de apoio à atitude tomada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva sob o argumento de que tal medida zelaria pela transparência das investigações sobre a escuta irregular de conversa telefônica envolvendo o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). De fato, é inquestionável a necessidade urgente de medidas enérgicas diante do gravíssimo fato ocorrido no Senado. A rápida resposta de Lula vale como pontapé inicial, mas, de forma alguma, satisfaz a necessidade premente de uma solução para o caso. É imprescindível que os culpados sejam apontados e devidamente responsabilizados com o que lhes cabe perante a lei, uma vez que interceptação clandestina de comunicações telefônicas é crime previsto na Lei nº 9.296/96, cuja pena é a reclusão por dois a quatro anos.

A banalização do grampo tomou conta do cenário de nosso país. Segundo levantamento da Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga a escuta telefônica, com base em informações fornecidas pelas operadoras de telefonia, foram realizadas 409 mil interceptações autorizadas judicialmente em 2007. Só a Polícia Federal executou 48 mil. O próprio presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, reconhece o descontrole do monitoramento ilegal de conversas telefônicas. A prática não é uma novidade e sempre provocou históricos escândalos ¿ o mais célebre deles, o caso Watergate, nos EUA, na década de 70, culminou com a renúncia do presidente Richard Nixon.

Mas o avanço da democracia no país, que preza pela busca por atitudes políticas éticas associadas à prática de uma imprensa livre, não permite que atos ilegais como este (em que a privacidade de uma autoridade é violada sem a prévia autorização da Justiça mediante uma investigação pré-determinada) fique sem um ponto final satisfatório. Não podemos aceitar passivamente o abandono das investigações, como aconteceu em passado recente, onde os casos acabam esquecidos entre papéis empoeirados que recheiam os processos estacionados em uma mesa dos órgãos investigativos, quer seja propositalmente ou porque o assunto esfriou nas pautas dos noticiários. É, portanto, imperioso que o governo apresente os verdadeiros culpados pelo crime cometido no Senado.

Enquanto isso não acontece, a prudência deveria imperar e as especulações infundadas ¿ que em nada contribuirão para apontar os criminosos e quais as intenções ocultas por trás de tal ato ¿ deveriam ser evitadas. As versões desencontradas acabam por gerar uma cortina de desinformação que embaça o olhar sobre qual seria a intenção dos orquestradores da espionagem entre os poderes Judiciário e Legislativo e, principalmente, quem sairia beneficiado com a conversa entre Gilmar Mendes e Demóstenes Torres ou com o vazamento de sua gravação.

O episódio também serve como experiência para que seja repensada a atuação dos órgãos investigativos e até que ponto a autonomia de seus servidores é realmente benéfica, uma vez que todos lidam com uma gama de informações altamente importante, capazes de mudar os rumos das apurações de crimes. É imprescindível que os atos praticados por estes órgãos estejam sob controle do Estado.

A escuta telefônica, quando autorizada pela Justiça, é um artifício válido para a investigação do crime organizado, de crimes de corrupção e de crimes de colarinho branco, mas, de forma alguma, é aceitável que a ação seja motivada apenas pela perspectiva de um suposto envolvimento. Não se pode inverter a lógica: investigar para depois interceptar.