Título: Lula demite cúpula da inteligência
Autor: Quadros, Vasconcelo; Correia, Karla
Fonte: Jornal do Brasil, 02/09/2008, País, p. A11

Escuta clandestina envolvendo senador e presidente do STF provoca mal-estar em Brasília.

BRASÍLIA

Pressionado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Congresso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afastou ontem à noite o diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Paulo Lacerda, e toda a diretoria do órgão. Junto com o delegado, deixaram os cargos o diretor-adjunto, Milton Campana, e o delegado federal Renato da Porciúncula, assessor especial de Lacerda. A decisão de Lula foi motivada pela crise institucional gerada pela suspeita de que a Abin teria se envolvido na espionagem ilegal contra o presidente do STF, Gilmar Mendes e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO).

O anuncio foi feito à noite em nota divulgada pelo Palácio do Planalto, depois que uma romaria de ministros do STF e parlamentares da oposição e da base governista ao gabinete do presidente Lula para pedir a cabeça de Lacerda. Pela manhã, acompanhado do general Jorge Félix, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e seu superior hierárquico, em audiência no Planalto, Lacerda negou que a agência tenha grampeado telefones e defendeu que o governo esperasse a conclusão das investigações oficiais. O delegado já havia mandado a Corregedoria do órgão abrir uma sindicância interna, mas queria uma investigação ampla, com a participação de perícia especializada. Em reunião da Coordenação Política, o general Jorge Armando Félix defendeu a agência diante do presidente. De acordo com o relato de um ministro que participou da reunião, Félix afirmou ter "convicção" de que os grampos não partiram da Abin e chegou a colocar seu cargo à disposição de Lula.

Decisão rápida

O presidente não quis dar o tempo que o delegado pedia e, depois de receber, em audiências separadas, várias autoridades, entre elas o presidente do STF, Gilmar Mendes e o presidente do Congresso, Garibaldi Alves (PMDB- RN), decidiu pelo afastamento e mandou a Polícia Federal abrir investigação para esclarecer o caso. O inquérito foi anunciado à noite, depois que o Palácio do Planalto divulgou a nota confirmando a queda da diretoria da Abin. A investigação será tocada por um delegado da Superintendência da Polícia Federal do Distrito Federal e deverá ser acompanhado por senadores da Comissão de Controle de Atividade de Inteligência do Congresso.

Além do afastamento e da abertura de inquérito, o presidente Lula ainda pediu celeridade ao Congresso na aprovação do projeto de lei que trata dos grampos telefônicos e determinou que o Ministério da Justiça, juntamente com o STF, elabore outro projeto endurecendo as punições pela prática de escutas telefônicas ilegais, tanto por parte de funcionários do governo quanto da iniciativa privada.

Espionagem

Não há ainda qualquer indício forte que confirme ter saído da Abin o grampo que captou a conversa do presidente do STF e do senador, mas, pressionado pela classe política, o presidente temia que o restante de seu segundo mandado fosse contaminado pela suspeita de espionagem ilegal. Vinculada ao GSI, a Abin é responsável pela produção dos relatórios de informações confidenciais que chegam ao presidente. Pouco antes do afastamento ser anunciado, o senador Demóstenes Torres disse que o general Jorge Félix aventou várias hipóteses para a autoria do grampo, entre elas a de que possa ter se originado do sistema de controle telefônico no próprio Senado.

A denúncia de que o grampo tem origem na Abin foi publicada pela revista Veja no último fim de semana. A reportagem mostra a transcrição da conversa ¿ supostamente entregue por um servidor da Abin ¿ entre Mendes e Torres.

¿ A Polícia Federal e a Abin têm condições de esclarecer o caso. Se não o fizerem, devem fechar as portas ¿ disse o deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), presidente da CPI do Grampo, que hoje à tarde toma o depoimento do general Jorge Félix, em mais um capítulo da crise. Félix acha que a Abin não está envolvida com a espionagem.

Lacerda deixa o cargo um ano depois de assumir a Abin com o propósito de promover uma ampla reformulação na agência.