Título: Faltou maturidade ao PT para escolher o candidato da esquerda
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Fonte: Jornal do Brasil, 31/08/2008, Eleições Municipais, p. A8

Apesar de a entrevista ter sido feita durante um almoço na sede do Jornal do Brasil, Jandira Feghali, candidata à prefeitura pela coligação PCdoB , PSB, PHS, PTN, mal tocou na comida. Não estava com fome. Falou de seus planos para a cidade enquanto beliscava uma coisinha aqui e ali. Serena, ela diz não ter dúvidas de que será a candidata que representará a esquerda no segundo turno. Assegura, inclusive, que já está em andamento uma revoada de lideranças de outros partidos para a sua campanha. Durante a entrevista, concedida aos jornalistas Tales Faria, José Aparecido Miguel, Rodrigo de Almeida, Marcelo Ambrósio, André Balocco, Carlos Braga e ao diretor-geral do JB, Marcos Troyjo, e ao vice-presidente da Casa Brasil, Marcos Vargas, a candidata não poupou críticas à gestão de Cesar Maia e garantias de que em seu governo vai ser pautado pela parceria com a administração estadual e federal e com os municípios metropolitanos.

O prefeito Cesar Maia critica a construção das UPAs. Diz que seria melhor que fossem instaladas na periferia. A senhora faria mais UPAs?

A demanda de atendimento 24 horas é crônica e antiga. Era o município que deveria estar fazendo. Tem um ou outro posto 24 horas na cidade. Esta demanda existe porque a pessoa passa mal de noite e não necessariamente tem que ir para uma grande emergência de um hospital, longe da sua casa. Mas isso isoladamente não traz solução. Às vezes você encontra uma gripe e um infarto no mesmo serviço. Na nossa opinião tem que ser uma policlínica e não o atendimento simples que existe hoje. Os postos de saúde, boa parte deles, têm que funcionar em três turnos.

Muitos médicos se recusam a trabalhar em alguns postos de saúde por conta da violência? O que a senhora pretende fazer?

Muitas áreas com IDH abaixo de 0,50 são áreas de favelas. Não tem médicos por que não tem segurança? E fazer o quê? Deixar a população sem atendimento? Temos que estruturar condições para que esses profissionais atuem ali. E essas condições estão em resolver a política urbana destas regiões. Eu tenho um sentimento, que quando a população é servida, as pessoas te respeitam. A gente entra nas casas, atende aos filhos. O traficante não quer que o filho dele morra.

A senhora acredita que é preciso se sujeitar, num primeiro momento, a este poder paralelo do tráfico ou da milícia?

Não tem que se sujeitar. É preciso atender a população. Dando plantão no hospital de Bonsucesso, na emergência, chegaram o bandido, o assaltado e o policial, os três feridos. Me dirigi ao assaltado, que estava melhor. O assaltante estava pior e atendi ele primeiro, o risco de morte era dele.

A senhora é a favor da Guarda Municipal armada?

Não, chega de bala. A Guarda não é treinada para isso. A lei orgânica do município proíbe isso. A guarda tem homens pós-graduados em direito ambiental, treinados em primeiros socorros. A guarda tem que atuar com foco na cidadania.

O que a senhora acha da atual política do governo do Estado de enfrentamento do tráfico?

A política de segurança tem que ter inteligência¿ que aqui é zero ¿, a repressão e a prevenção. Não temos nem inteligência no confronto nem na prevenção.

O que acha da política de direitos humanos do governador Leonel Brizola?

O Brizola inaugurou uma relação mais generosa com a área popular. Ele não apostava na política do confronto e ele estava certo. Logo depois entrou o Marcello Alencar, com a gratificação faroeste, que premiava o policial que matasse mais. O Brizola era o oposto disso. O que é a milícia? Qualquer criança de favela sabe quem comanda a milícia. E a polícia não sabe?

O que a senhora fará com as milícias?

Não posso fazer muita coisa. A milícia é déficit institucional da polícia. Tráfico de drogas tem no mundo inteiro, milícia não. Falta de estimulo por um lado, salário horroroso e a conivência com desvio de conduta. A Polícia Federal também tem o seu papel, mas Forças Armadas em favela eu sou contra. Isso inclusive desmoraliza a instituição

A senhora acredita que isso foi usado eleitoralmente pelo senador Marcelo Crivella?

Isso está provado, tanto que embargaram a obra.

A senhora é religiosa?

Eu não pratico religião nenhuma, de freqüentar.

Acredita em alguma coisa?

Claro, em muita coisa. Até porque se a gente não acreditar e não tiver uma boa energia para tocar essa vida...

O que é ser comunista na administração de uma cidade no começo do século 21?

Primeiro é que a gente acaba negando que é uma coligação. Comunista parece que a candidata é só do PCdoB, então isso estreita o que a gente construiu. Tem mais dois partidos conosco e 200 vereadores na base dessa coligação. Num mundo e num Brasil capitalista, a prefeitura não será socialista, obviamente. Isso seria muito infantil da nossa parte. O que temos é uma formação muito solidária e generosa, democrática de articulação com movimentos sociais.

Como a senhora se diferencia dos outros candidatos de esquerda?

Tinha que estar todo mundo me apoiando.

Se não é uma questão de tempo é uma questão de turno?

Por enquanto, é uma questão de tempo, ainda neste turno. Estamos trabalhando por isso. A pulverização, em um momento em que a cidade precisa mudar de ciclo, de uma responsabilidade maior. A gente tinha que entrar nisso como um projeto de virada da cidade. De qualquer forma, mesmo pulverizado, um da esquerda vai. Espero que seja eu.

O Eduardo Paes não é de esquerda, é do outro campo. A senhora acha que o Marcelo Crivella também é um candidato de direita?

O Crivella tem uma marca forte que é a Universal. Tenho um comitê cristão com todas as igrejas evangélicas. As igrejas tradicionais têm dificuldades com o Crivella.

A senhora acha que irá para o segundo turno com Solange, Crivella ou Paes?

A pesquisa do Datafolha ainda nem contabilizou a influência do programa de TV. E os institutos precisam se entender melhor porque os números estão loucos. De qualquer forma toda variação está na margem de erro. Continuo com um grande potencial de segundo turno e lá ganho.

A senhora acha que vai haver voto útil no primeiro turno?

Acho. Já está aparecendo no comitê. Tem uns 30 candidatos a vereador de outros partidos conosco.

Ficou alguma mágoa com o PT?

Mágoa não. Acho que faltou uma visão mais madura de perceber o momento na cidade. Mas acho legítimo que cada partido tenha o seu candidato.

Por que empresários que querem investir na cidade devem votar na senhora?

Porque sou a pessoa capaz de gerar investimento no Rio, como projetos de infraestrutura, com o Plano Diretor, habitacional, com o novo projeto de transporte. Uma visão de que o turismo tem que ter um Plano Diretor próprio.

O que a senhora acha da atual política de transporte?

A primeira coisa que eu vejo é que o transporte caro desemprega e dificulta a vida das pessoas. O principal transporte de massa é trilho. Os outros são coletivos. Se colocarmos um veículo sobre trilho num viaduto pré-moldado ¿ estamos pensando na tecnologia de ar, inventada em Porto Alegre ¿, com R$ 280 milhões, podemos chegar ao aeroporto internacional além da Leopoldina, carregando 30 mil pessoas hora. A prefeitura hoje não tem nenhum comando sobre a política de transporte. Cada um faz o que quer.

Como a senhora pretende enfrentar o problema da Câmara dos Vereadores, em que há integrantes influenciados pelas empresas de ônibus?

Não tenho preconceito contra empresa nenhuma, mas precisamos de regras claras, preços adequados. O empresário tem que ganhar o dinheiro dele. Estamos tentando eleger o máximo de vereadores possível do nosso campo. No mais tem que pautar politicamente a Câmara, que não discute mais política. A população também tem que desempenhar o seu papel de pressão sobre o poder legislativo. A pior coisa é ficar refém do parlamento.

E sua proposta para a educação, qual é?

É a base de integração de muitas políticas, começando pela creche. Há uma grande deficiência de creches. O município tem que colocar 25% do orçamento em educação. E nós temos uma folga hoje, mesmo com a lei de responsabilidade fiscal, de R$ 600 milhões para contratar pessoal. A aprovação automática ganhou esse nome porque o aluno passa de qualquer jeito. Temos que acabar com isso. Pelos nossos cálculos, por ano, pelo orçamento que temos, daria para colocar 20% das escolas em tempo integral. Promovendo a inclusão digital e o acesso à banda larga.

A senhora daria uma parte dos royalties do Rio para o Fundeb?

Se for para ser usado na cidade, sim. Fora da cidade, não. Se formos pensar no que virá de dinheiro com o petróleo do pré-sal é uma coisa inimaginável. Aqui está faltando dinheiro para muita coisa.

A senhora concorda com a frase do presidente Lula de que o Brasil vive um momento mágico?

Acho que nós avançamos bastante. Uma agenda de desenvolvimento é o que estava faltando no Brasil havia muitos anos.

A senhora não acha que ele dar apoio à sua candidatura?

A gente até colocou a opinião dele no programa de TV. No finalzinho de junho, o Lula propôs o acordo de unificar a esquerda em torno do meu nome, em torno da Marta e do Serafim, de Belo Horizonte.

Que diferença a senhora vê entre o Eduardo Paes e o Cesar Maia?

Acho que existe a mesma origem política. Muita semelhança de formação. Mas parece que hoje eles têm visões diferentes da cidade. Toda a experiência administrativa dele foi com o Cesar Maia. Mas quando perguntam a minha diferença para os outros eu digo que cada um tem a sua história.

Quem a senhora acredita que vai chegar ao segundo turno?

Eu e mais alguém.

A senhora pretende transferir favelas, conter favelas ou urbanizá-las?

A redução do número de moradias em favelas só tem uma possibilidade, que é dar alternativas. E em conjunto com transporte. As pessoas querem trabalhar e estar próximas ao local de trabalho. E ter um transporte que elas possam pagar. Favela não é um problema de polícia, não é de remoção. E a favela é bairro, é cidade. Não faço diferença entre a favela e o asfalto. O poder público tem que entrar lá como em qualquer lugar, botando escola, posto, guarda municipal.

Dando título de posse?

Claro. Hoje o Favela-Bairro não dá título de posse para ninguém.

É possível fazer tudo isso em apenas quatro anos de prefeitura?

Acho que em quatro anos dá para fazer muito. Projeto habitacional, por exemplo. Por ano, a gente pode construir umas 80 mil casas. Temos projetos e recursos para todo lado, temos é que ter planejamento. Dá para fazer. Há um déficit habitacional no Brasil de 8 milhões de casas. O lixo, a mesma coisa. Eu sou contra o lixão de Paciência. Acho que ali não é o local correto. Gramacho está esgotado. Lixão é anacrônico. A coleta seletiva tem que ser implantada? Tem, mas é um processo cultural. Temos que implantar coleta seletiva, reciclagem e usina de energia. Ali no Caju gastaram bilhões e não funciona. Podíamos fazer ali uma grande usina de geração de energia. É atividade econômica. Eu chamo de luxo do lixo. Imaginem 600 caminhões de lixo, por dia, indo para Paciência. Sem contar que ali viola a lei orgânica, pela proximidade com as residências. Hoje o governo do Estado está bancando o projeto e o Cesar Maia também.

Como a senhora pretende lidar com os centros sociais?

Sabe onde acho que os centros sociais crescem? Onde não tem política pública. Então se o posto não atende, alguém monta um centro social e a população vai porque não tem lugar para ir. É uma atuação que distorce a atividade parlamentar.

O que achou de Cesar Maia ter criado uma secretaria para abrigar a irmã, para não ter que demiti-la por causa da lei contra o nepotismo?

Isso é um horror, uma distorção. Se a ação contra o nepotismo é exatamente pra evitar isso, ele faz uma manobra para manter a irmã empregada. Isso acaba desqualificando o papel do gestor com a população. Esta atitude de burlar a lei, de dar um jeitinho, isto não é atitude de gestor. Gestor tem que dar o exemplo. Quando o gestor faz isto, ele gera o sentimento de que, por baixo, ninguém precisa cumprir lei. Acho isso ruim, acho mau exemplo para a sociedade.

Qual sua proposta para o IPTU do Rio?

O IPTU é um imposto que precisa de justiça fiscal também. Para nós a redução do IPTU em algumas áreas é importante. Primeiro rever as bitributações. Olhar com carinho para áreas de estímulo à atividade econômica, áreas de potencial arquitetônico, áreas comerciais, como a Lapa, temos que estimular com IPTU para poder revitalizar.