Título: Os desafios do Brasil na exportação
Autor: Castro, José Augusto de
Fonte: Jornal do Brasil, 31/08/2008, Economia, p. E4

VICE-PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DE COMÉRCIO EXTERIOR DO BRASIL (AEB)

Ao se analisar, sob o aspecto numérico, os dados do comércio exterior brasileiro dos últimos anos, a impressão é a melhor possível, não apenas pelos seus robustos superávits comerciais, como também pelos expressivos e contínuos crescimentos nos montantes de exportação e importação.

Estes resultados foram obtidos tendo como base as seguintes realidades, no que tange ao segmento de exportação:

1) A pauta das exportações brasileiras é composta por 65% de commodities e 35% de produtos manufaturados;

2) As commodities têm sua participação representada por 35% de produtos agropecuários, 18% de metálicos e 12% minerais;

3) As cotações das commodities, que flutuam ao sabor dos mercados importador-físico e especulativo-financeiro, mantêm-se nos últimos anos em patamares elevados;

4) O Brasil, como todos os países exportadores de commodity, não possui qualquer controle sobre as cotações das commodities que exporta, sendo totalmente dependente da demanda e de decisões do mercado internacional;

5) As exportações brasileiras de produtos manufaturados têm 72% de seu montante realizado por empresas de grande porte, controladas por capital estrangeiro;

6) Do total de 20 mil empresas efetivamente exportadoras em 2007, apenas 1.300 foram responsáveis por 90% das exportações;

7) A elevada participação das commodities na pauta de exportação faz com que as vendas ao exterior pelo Brasil dependam mais de cenário externo favorável e menos da tomada de decisões internas no Brasil.

Entraves

Por outro lado, avaliando-se as condições em que estes resultados positivos foram obtidos, constata-se que as empresas exportadoras enfrentam diversos entraves internos e que geram dificuldades para se alcançar o atual quadro favorável.

Entre os diversos entraves internos enfrentados pelas empresas exportadoras, destacam-se os seguintes:

1) Apesar de o Brasil ser um país exportador de grandes volumes, possui infra-estrutura insuficiente, deficiente e onerosa, com reflexos negativos na estrutura de custos das exportações de commodities e de produtos manufaturados;

2) A falta de dragagem nos portos reduz seus calados, às vezes sendo necessário aguardar a maré cheia para atracação de navios, provocando atrasos, impedindo seu carregamento completo e gerando custos para os exportadores;

3) O obsoleto sistema tributário penaliza as empresas exportadoras de produtos manufaturados, ao imobilizar capital em impostos gerados na compra de insumos, reduzindo capital de giro com desembolsos recuperáveis em curto prazo ou com créditos acumulados por tempo indeterminado;

4) A defasada taxa de câmbio vigente nos últimos anos tem afetado negativamente a rentabilidade das exportações de commodities e a competitividade dos produtos manufaturados;

5) Por absoluta falta de competitividade provocada pela taxa cambial, desde 2005, quase 2 mil empresas, a maioria micro, pequenas e médias, abandonaram o mercado de exportação.

Além de causar problemas nas exportações, a taxa de câmbio praticada tem estimulado empresas brasileiras a adquirir ou instalar linhas de produção industrial no exterior para fornecer a mercados antes atendidos pela empresa no Brasil, assim como para exportar ao próprio Brasil.

Essa internacionalização das empresas representa uma "fuga de capital", pois o atual nível da taxa de câmbio torna barato investir no exterior e caro investir no Brasil, inclusive podendo no futuro ter reflexos negativos na exportação de produtos manufaturados.

Considerando-se estes entraves, como se explica os excelentes resultados que a balança comercial tem proporcionado nos últimos anos ?

A resposta é simples. O Brasil, na qualidade de grande exportador de commodities, tem se beneficiado das cotações recordes alcançadas por estas mercadorias no mercado internacional, suficiente para compensar tanto a defasagem cambial quanto os elevados custos de infra-estrutura.

Assim, enquanto perdurar o favorável cenário externo de altas cotações de commodities, os resultados positivos do comércio exterior brasileiro continuarão garantidos. E o que acontecerá em caso de eventual queda das cotações das commodities?

Este é o cenário que o Brasil não gostaria que acontecesse, mas que se torna cada vez mais viável com o atual panorama mundial gerado pelo subprime americano, crescente inflação global, alta das taxas de juros, estabilização ou retração econômica nos Estados Unidos, União Européia e Japão, valorização do iuan, desaceleração da China etc.

Além disso, caso se concretize a queda nas cotações das commodities, o Brasil sofrerá duplo prejuízo, pois serão menores as receitas de exportação com commodities e também haverá diminuição nas exportações para os demais países exportadores de commodities, os quais também terão suas receitas de exportação diminuídas e, em conseqüência, suas importações serão reduzidas, situação típica de países da América do Sul e África.

Com base nesse cenário, os seguintes desafios devem ser enfrentados pelo Brasil, com urgência urgentíssima, com vistas a minorar os impactos negativos a serem gerados pela hipótese factível de queda das cotações das commodities:

1) Realizar a reforma tributária, com implementação e efeitos imediatos, simplificando procedimentos administrativos, reduzindo carga tributária e eliminando tributos indiretos incidentes na exportação de produtos manufaturados;

2) Viabilizar condições para aumentar as exportações de produtos com maior valor agregado e reduzir a participação de 65% das commodities na pauta de exportação;

3) Oferecer incentivos, em volume e condições adequadas, que estimulem fortes investimentos em inovação tecnológica para gerar produtos manufaturados dinâmicos com elevado valor agregado;

4) Expandir e melhorar a infra-estrutura rodoviária, ferroviária e aeroportuária, reduzindo custos de transporte e logística, criando condições para o crescimento quantitativo das exportações e eliminando o fantasma do apagão logístico que ronda o comércio exterior;

5) Eliminar estímulos à valorização do real, de forma a viabilizar a inserção de mais empresas no mercado exportador, assim como evitar a desnacionalização de segmentos industriais menos competitivos;

6) Oferecer, compatível com seu tamanho, efetivo apoio à participação de micro, pequenas e médias empresas nas exportações.

Registre-se que as medidas de política industrial anunciadas em 12 de maio, algumas ainda não implementadas, são insuficientes para superar os desafios a serem enfrentados pelas exportações brasileiras.

Por outro lado, a título de informação, enquanto no Brasil os produtos manufaturados representam 35% das exportações, na Índia este índice atinge 70% e na China alcança 93%, apesar de o parque fabril destes países não justificar tamanha diferença de participação.

Assim, o Brasil tem como grande desafio buscar a estabilidade na exportação promovida pelos produtos manufaturados e reduzir a instabilidade gerada pela venda externa de commodity.