Título: Lei impede o governo de dar seqüência a projetos sociais
Autor: Bruno, Raphael
Fonte: Jornal do Brasil, 07/09/2008, Eleições Municipais, p. A28

Ministério de Desenvolvimento Social tem R$ 167 milhões retidos.

BRASÍLIA

Contido pela legislação, o go- verno federal enfrenta dificuldades na Justiça Eleitoral para dar continuidade a alguns de seus programas sociais. Iniciativas como o transporte de alunos para a escola em comunidades carentes e o estabelecimento de bibliotecas em municípios do interior estão ameaçadas devido às restrições legais ao repasse de recursos em períodos eleitorais. Somente no Ministério do Desenvolvimento Social, R$ 167 milhões em projetos aguardam o fim do período eleitoral para serem aplicados.

Um dos primeiros setores do governo que teve dificuldades com a Justiça Eleitoral foi o Ministério da Saúde. O ministro José Gomes Temporão enviou relatório ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reclamando dos empecilhos que a equipe do ministério vinha encontrando com juízes eleitorais estaduais para autorizar a veiculação de peças publicitárias da campanha nacional de vacinação contra poliomielite e rubéola no rádio e na televisão.

A lei 9.504/97, que regulamenta as eleições, proíbe divulgação de publicidade institucional nos três meses anteriores ao dia das eleições, salvo "grave e urgente necessidade pública". No começo de agosto, o protesto de Temporão acabou sensibilizando os ministros do TSE, que autorizaram a campanha desde que não houvesse qualquer referência a entes municipais. ­

Não há dúvida de que, em se tratando de campanha nacional contra a poliomielite e a rubéola, ninguém em sã consciência negará cuidar-se de hipótese que reflete grave e urgente necessidade pública ­ comentou o relator da ação do Ministério da Saúde, ministro Marcelo Ribeiro. ­ É óbvio que a saúde da população não pode se sujeitar ao calendário eleitoral.

Pedidos negados

Em outros pleitos junto ao tri- bunal, contudo, o governo não teve a mesma sorte. Isso porque a legislação eleitoral veta, também, repasses da União para estados e mu- nicípios nos três meses que antecedem as eleições, com exceção de transferências que já estavam previstas e relacionadas a programas ou obras já em andamento desde anos anteriores.

Também em agosto, a Advocacia-Geral da União entrou com pedido no TSE para que o tribunal liberasse os repasses relativos ao programa Caminho da Escola. O programa, voltado ao transporte de alunos das redes municipal e estadual de ensino residentes em áreas rurais e sustentado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, prevê, entre outros gastos, compras de veículos e contratação de motoristas.

Segundo a AGU, o Caminho da Escola se encaixa nas exceções previstas em lei, como cronograma pré-fixado e adesão por parte de estados e municípios em período anterior aos três meses que antecedem as eleições. O órgão pediu, além da liberação de recursos, a manutenção da execução do programa nde este já tivesse sido iniciado.

A recepção do pedido no TSE, entretanto, não foi das melhores. O ministro responsável pela relatoria da ação, Felix Fischer, votou no sentido de não tomar conhecimento da ação por considerar que a requisição do governo era "inadequada". Após o voto de Fischer, um pedido de vista do presidente do tribunal, ministro Carlos Ayres Britto, suspendeu o julgamento, que ainda não foi retomado. No final de agosto, o ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias, encontrou Britto em reunião no TSE para tratar do assunto e tentar assegurar a continuidade de programas sociais do governo.

Além do Caminho da Escola, chegou ao TSE, também no final de agosto, pedido da Fundação Biblioteca Nacional, órgão vinculado ao Ministério da Cultura, para que a Justiça Eleitoral não interrompesse programa social destinado à montagem e manutenção de bibliotecas em municípios carentes. O ministro Eros Grau foi designado para relatar a ação, mas o tema ainda não entrou na pauta do tribunal.

Os dois carros-chefe do governo, pelo menos, estão salvos de qualquer restrição mais rigorosa da Justiça Eleitoral. Segundo informações do Ministério do Desenvolvimento Social, o programa Bolsa-Família não corre o risco de ser suspenso em período eleitoral porque se trata de "serviço de prestação continuada", tal como o pagamento de aposentadorias ou pensões, por exemplo.

O ministério não está livre de obstáculos, contudo, no que diz respeito a ações mais pontuais, como a construção de restaurantes populares ou a expansão de centros sociais. Uma forma encontrada pelo ministério para driblar as restrições é tentar adiantar fases do processo de construção que não envolvam a liberação de recursos, como o lançamento de editais de licitação. ­

-Não vamos ter dificuldade para executar isso posteriormente ­ garante a secretária-executiva do Ministério do Desenvolvimento Social, Arlete Sampaio. ­ São recursos que estão em stand-by. Já está tudo previsto e planejado para, concluídas as eleições, retomarmos os projetos.

É da secretária o cálculo de que o valor atualmente emperrado no ministério devido à legislação eleitoral seja de R$ 167 milhões. Pode parecer pouco perto dos R$ 10,5 bilhões destinados ao Bolsa-Família no orçamento deste ano, por exemplo, mas são recursos que têm elevado custo político: em grande parte, trata-se de verbas para iniciativas aprovadas mediante emendas parlamentares.

Já os repasses relacionados às obras do Programa de Aceleração do Crescimento, segundo informações do Ministério das Cidades, também ficam de fora dos limites impostos pela legislação eleitoral porque são considerados como transferência obrigatória. A assessoria de imprensa do ministério diz que nem mesmo o início de obras durante o período eleitoral é proibido, desde que faça parte do planejamento prévio do programa.