Título: A instabilidade de Assunção
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Fonte: Jornal do Brasil, 08/09/2008, Opinião, p. A8

CHEGA EM BOA HORA a visita do presidente recém-empossado do Paraguai, Fernando Lugo, ao Brasil. Agendado para o próximo dia 17, o encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Palácio do Planalto, servirá não só para estreitar os laços diplomáticos entre os dois vizinhos ¿ como sugere a pauta da reunião ¿ mas também para tratar de temas mais espinhosos, como o futuro do Mercosul, a reivindicação do Paraguai com relação aos preços da energia gerada na hidrelétrica binacional de Itaipu e a tentativa de golpe em Assunção, denunciada pelo atual governo no início do mês.

Ex-bispo católico, Fernando Lugo rompeu um período de 61 anos de hegemonia do Partido Colorado, assumindo o poder em 15 de agosto. A aliança de esquerda que o levou ao comando do país desagradou setores conservadores da sociedade e figuras políticas tradicionais do Paraguai ¿ entre elas, o ex-presidente Lino Oviedo. Recaem exatamente sobre o ex-governante as suspeitas de liderar um complô, junto ao também ex-presidente Nicanor Duarte Frutos, para derrubar o governo esquerdista.

Desde o fim de agosto, o Senado está dividido em torno da aceitação ou não do nome de Nicanor Duarte para uma cadeira. Esta crise política dá margem a instabilidades indesejadas em solo sul-americano. Um golpe de Estado obrigaria o presidente e o vice a renunciarem e a Presidência da República seria ocupada pelo presidente do Senado, Enrique Gonzáles Quintana, aliado de primeira hora de Oviedo ¿ o que, de fato, abriria caminho para a volta de Nicanor Duarte ao comando da nação. Contudo, como reza a cartilha de todo conspirador latino-americano, sem o apoio das Forças Armadas qualquer sublevação não chega nem perto do Palácio do Governo. E, por ora, Lugo conta com a lealdade das fileiras militares, o que lhe garante relativa tranqüilidade.

Nesse ponto, cabe ao Brasil reforçar sua posição de apoio incondicional à democracia e ao governo eleito (democraticamente) no país vizinho ¿ conforme foi ressaltado, aliás, momentos depois da notícia da suposta trama. Em pleno século 21, a América Latina tem de se mostrar solidária aos mandatos constitucionais e fechada aos golpes de Estado.

Quanto ao combalido Mercosul, é necessário que Lula ouça com atenção os pedidos do parceiro mais fraco, caso realmente queira reduzir as assimetrias que, aos poucos, vão minando as forças do bloco econômico. O processo de integração da América do Sul, tão propalado pelos atuais governantes do continente, passa necessariamente pela solidificação do Mercado Comum criado há quase duas décadas, mas que jamais alcançou sua plenitude.

No entanto, o ponto de maior atrito entre Brasília e Assunção, no momento, é a hidrelétrica de Itaipu. O tratado constitutivo da obra binacional diz que Brasil e Paraguai têm direito, cada um, a 50% dos 14 mil megawatts de potência instalada da usina, e que a energia não utilizada deve ser vendida ao outro sócio no negócio. O Brasil paga atualmente US$ 45,31 pelo megawatt-hora de Itaipu ao Paraguai ¿ valor considerado baixo demais pelo vizinho. O governo Lula não fala abertamente em renegociar o preço, mas oferece, em troca, construir uma linha de alta tensão de Itaipu a Assunção, com custo de cerca de US$ 200 milhões.

Para evitar que a discussão caia no nacionalismo fácil ou na confrontação estéril, o presidente Lula terá de responder ao colega paraguaio com firmeza e solidariedade. E reafirmar, assim, a capacidade de liderança do Brasil no continente.