Título: Pré-sal: o sertão não virou mar
Autor: Victer, Wagner
Fonte: Jornal do Brasil, 08/09/2008, Opinião, p. A10

AMBIENTALISTA

Finalmente tivemos declarações realistas e objetivas a respeito dos recursos do óleo e gás do chamado pré-sal. Em entrevista que precedeu ao evento de comemoração da produção de petróleo da camada do pré-sal, no Espírito Santo, dirigentes da Petrobras disseram claramente que as acumulações de óleo desta tão comentada área não são continuas e sim, como seria de se esperar, concentrações que, embora possivelmente de grande porte, são isoladas, não existindo assim o anunciado "mar de petróleo" para caracterização da situação na qual não se colocam os chamados "riscos geológicos".

Na ocasião, foram apresentadas boas perspectivas, temperando o otimismo desenfreado que anda por ai, com observações mais precisas e responsáveis, tais como a acima mencionada. Também foi detalhada a necessidade de realizar os denominados "testes de produção", os quais irão precisar os volumes passíveis de recuperação e o provável ritmo de produção. Sem estes testes, não é possível determinar se o óleo vai sair adequadamente e, caso saia, os percentuais de óleo ou gás que poderão ser realmente recuperados. É bom salientar que, em alguns casos, o óleo pode não sair ou até sair com produção insuficiente.

No Brasil, a taxa média de recuperação do petróleo in situ, aquele que está contido nas rochas, é da ordem de 15%. Exemplificando, se em Tupi onde se estimam recursos de 5 a 8 bilhões de barris, a taxa de recuperação for da ordem destes 15%, serão produzidos entre 1,2 bilhão e 750 milhões de barris. Serão campos gigantes, mas, longe de representar novas Arábias Sauditas, como alguns apressadamente fizeram crer.

É importante salientar que na volúpia de produzir informações que estão confundindo potencial com reservas, tem acontecido uma tempestade de previsões especulativas já que com os dados disponíveis no momento é impossível e até irresponsável falar precisamente em reservas com apenas um ou dois poços perfurados.

Os geólogos brasileiros na área de petróleo, que são os mais experientes atualmente no mundo, têm consciência dos riscos tecnológicos associados à exploração e produção destes hidrocarbonetos e que possivelmente serão superáveis no futuro, mas que demandarão custosos investimentos em pesquisa e desenvolvimento para que venham a ser vencidos. É bom lembrar que o elevado custo de produção no Pré-Sal só se justificará se mantidos os preços elevados ou pelo menos rodeando a casa de 80 dólares o Barril. É de se notar que os preços de petróleo já recuaram, em período recente, a US$ 40 o barril.

O tumultuado ambiente que cerca o pré-sal, com inúmeras opiniões e palpites sem o menor fundamento técnico é perigoso, pois cria o clima de que só certezas existem, como estas que agora caíram rapidamente pelo depoimento da Petrobras e que, eu e outros, já dizíamos como sendo uma afirmação "não verdadeira" de que o pré-sal, que vai de Santa Catarina ao Espírito Santo, seria um mar continuo de petróleo, que as reservas seriam colossais e em níveis de países do Oriente Médio.

Nada mais errado e falacioso. As estruturas geológicas onde se depositou o sal, que cobre rochas geradoras e possíveis campos, de fato se estende por 800 km, com largura aproximada de 200 km. A distribuição de reservatórios, dentro desta área, no entanto, é aleatória e não contínua. Por isso a afirmativa de que não existe risco exploratório era no mínimo ridícula. O sal, que, por ser impermeável, "selou" os reservatórios que se encontram abaixo dele, também não é continuo e à medida que se vai em direção ao Espírito Santo se apresenta "quebrado" permitindo a migração do petróleo para o pós-sal, onde formou os grandes reservatórios da Bacia de Campos. Existem sim riscos exploratórios, além dos tecnológicos já mencionados. Na bacia de Campos já foram perfurados dezenas de poços, que atingiram o pré-sal, onde o petróleo ou o gás não foram encontrados ou foram encontrados mas não saíram em quantidades comerciais.

Outra discussão, sem pé nem cabeça, é a da chamada "unitização" de áreas de concessão com áreas não exploradas, para onde se prolongam os reservatórios. Ora, se não conhecemos sequer a extensão das descobertas feitas ¿ há apenas um poço em cada, a exceção de Tupi, onde somente dois foram perfurados ¿ não podemos falar de extensão de reservatórios em áreas que nem perfuradas foram. Alegar que as estruturas identificadas por levantamentos sísmicos garantem esta extensão, é faltar com a verdade e agredir a realidade científica. Também, a Lei do Petróleo estabelece que o processo de unitização poderá se dar entre duas concessões, não havendo a previsão de aplicação do conceito entre uma concessão e uma área não explorada. Pela legislação atual, recursos e reservas são de propriedade do estado, passando ao concessionário apenas após a produção e uma vez pagos todos os impostos e contribuições. Portanto, falar em unitização antes de produzir o óleo é, no mínimo, um absurdo.

Estas especulações irresponsáveis estão tendo efeito contrário ao desejado. As empresas e indústrias se mostram receosas com a possível modificação de regras, especialmente, porque ninguém sabe dizer quais serão as mudanças que impactam não só o pré-sal, mas também o "pós-sal" onde atualmente já acontecem os investimentos. Com isto, os investimentos ficam suspensos ou em ritmo lento, aguardando as novas definições, para as quais não há prazo. Projetos de lei podem ser enviados ao Congresso, mas, a sua tramitação não tem prazo definido. Sem investidores para atender a pesada demanda dos futuros projetos do pré-sal, o atraso é inevitável e a perda de investimentos para outras regiões em outros países, onde inclusive existe camada de pré-sal, já que este tipo de formação não é como a jabuticaba que só existe no Brasil.

A Petrobras, um orgulho nacional, em função das suas descobertas no pré-sal é agora transformada em uma Geni, apedrejada por muitos políticos, por ocupados e por desocupados. Todos viraram especialistas e olham desconfiados para a empresa e também com um "olho gordo" nos recursos de royalties que virão especialmente na cobiça pelo possível aumento na arrecadação de diversos Estados em especial o do Rio de Janeiro. Fala-se na criação de uma nova empresa, sem saber exatamente sua finalidade ou objetivos, usando um modelo europeu mal conhecido e não digerido e que se confunde com o atual papel de nossa Agência Reguladora (ANP). As ações da empresa neste mar de especulações caem.

Tudo isto devido a discursos impensados, imprecisos e incorretos, sem base na realidade como mostram as declarações anteriormente citadas. Isto para não comentar modelos novos para determinação de limites territoriais de estados e municípios, proposto por alguns Senadores, baseados na ambição de aumentar ganhos localmente e não no bom senso. Todo mundo quer ganhar no Pré-Sal: Estados e municípios que nada se relacionam com o petróleo, ministérios da Saúde, Educação, Pesca, Defesa, alguns inclusive que já tem previsão legal de receber e que não recebem por questões de superávit fiscal. É um festival de pedidos que constrange aquele que publicamente ainda não apresentou o seu pires para pleitear o seu quinhão. Nesta linha penso, em prol dos admiradores do esporte da pátria em criar um movimento para, quem sabe, com os recursos do pré-sal poder manter os craques brasileiros jogando no país, isto de olho nos reforços para o meu Fluminense!!!

Melhor será fazer o que já devia ter sido feito desde o inicio da escalada de preços do petróleo e que publicamente insisti como secretário da área por oito anos e que vejo o governador Sérgio Cabral propondo, que é rever o pagamento das chamadas participações especiais, e que pode ser feito por mero decreto presidencial, mantendo a estabilidade do marco legal que viabilizou as atuais descobertas e que viabilizará os investimentos para o aproveitamento do pré-sal. Os benefícios da produção de petróleo chegam ao povo é através de impostos, royalties, participações especiais, bônus, assinatura e principalmente empregos e não pela criação de desnecessárias empresas e estruturas burocráticas em detrimento da grande empresa que é a Petrobras. Neste contexto, acerta em cheio o presidente Lula quando quer que a produção de petróleo do pré-sal esteja associada ao aumento da capacidade de refino no fornecimento de bens e serviços no país, aí sim, vale copiar o modelo norueguês de desenvolvimento de sua indústria local.

Parece que a maldição do petróleo, entre nós, cai antes da produção do mesmo e não após, como aconteceu em outros países. Temos que tomar muito cuidado!!!