Título: Relações perigosas do terceiro setor
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 09/09/2008, Opinião, p. A8

O vácuo deixado pelo poder público em relação às atribuições que lhe são constitucionalmente obrigatórias, e as diversas dificuldades impostas pelo modelo burocrático em vigor propiciaram o surgimento de novas figuras jurídicas: as Organizações Não-Governamentais (ONGs) e, mais recentemente, as e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip). É inegável que a participação do terceiro setor na construção de uma sociedade melhor é positiva, diante das oportunidades que se abrem para a população com as parcerias estabelecidas com essas instituições nos setores de geração de renda, saúde pública, educação e cultura.

É inadmissível, porém, o uso de uma possível solução para agilizar as diversas ações em benefício da população como protagonista de velhas táticas para desvio do erário. Há, entre os homens destinados a gerir o orçamento público, aqueles que se aprimoram em obter lucros espúrios com o verbas públicas, desvirtuando o real sentido que criou uma solução social. O mau exemplo vem do interior, como revela o Jornal do Brasil em uma série de reportagens especiais. As irregularidades cometidas em municípios do Noroeste Fluminense citados nas matérias publicadas desde domingo ¿ Trajano de Moraes, Aperibé, Santo Antônio de Pádua, São Sebastião do Alto e Macaé ¿ dão a exata dimensão de como maus políticos conseguem usar mecanismos antes criados com o intuito de solucionar problemas para driblar a fiscalização e aumentar seus rendimentos de forma obscura.

Essas relações turvas fazem brotar cifras abusivas nos orçamentos desses municípios, tais como o muro do parque de exposições agropecuárias em Aperibé, que custou R$ 120 mil, e o contrato de R$ 3 milhões que serviria para suprir as carências existentes nas áreas da saúde pública à limpeza urbana no mesmo município. Sem contar com o uso indevido de Oscips para terceirizar a mão-de-obra com dispensa de licitação e de concurso público.

Regem as leis que criaram as Oscips, assim como as ONGs, que estas devem ser constituídas de pessoas físicas imbuídas pela união de idéias e esforços em torno de um mesmo propósito: o avanço social e econômico. Em hipótese alguma poderá ter finalidade lucrativa, muito menos servir de escudo para ocultar desvio de dinheiro público. Não constitui crime estabelecer uma relação entre governo e Oscip ou ONG, desde que o objetivo seja cumprido com total transparência, principalmente no que tange a aplicação da verba dispensada para tal finalidade.

Se o atual cenário já não pode existir sem a atuação do terceiro setor, é preciso então que o governo crie mecanismos capazes de coibir, de forma preventiva, o mau uso da máquina pública no que se refere aos contratos estabelecidos. Não podemos descartar até a criação de um organismo especial capaz de regular a existência e a atuação das ONGs e Oscips, que possa atuar em conjunto com o Ministério Público e Tribunais de Contas. Porém, o mecanismo mais eficiente para acabar, mesmo que paulatinamente, com estes casos está nas mãos da própria sociedade: a liberdade de imprensa e o voto. Cabe à população se beneficiar da abertura reinante nos meios de comunicação que permitem a livre divulgação de tais irregularidades e, diante dos fatos, fazer uma escolha consciente nas urnas capaz de banir do cenário político-administrativo, os maus governantes. Mesmo que pareça distante, a postura politizada do eleitorado é um excelente método corretivo para colocar nos trilhos a história política de nosso país. O voto é o meio mais eficiente para realizar um filtro na atual classe política e banir da vida pública os maus administradores.