Valor
Econômico, 26/05/2020, Política,
p. A6
Procuradores
veem crimes, mas Aras é ‘incógnita’
Murillo
Camarotto
Procuradores
lotados na Procuradoria-Geral da República (PGR) manifestaram
espanto com o conteúdo do vídeo da reunião ministerial realizada
em 22 de abril, tornada pública na sexta-feira. Além de apontarem
os aspectos pitorescos do encontro e citarem um ambiente de “completo
desgoverno” no país, eles entendem que há espaço para uma
denúncia criminal
contra o presidente Jair Bolsonaro.
Apesar disso, ninguém se arrisca a apostar em qual decisão será tomada por Augusto Aras, titular da PGR. Uma das razões para isso é o fato de Aras ser considerado internamente uma espécie de outsider, ou seja, alguém que antes de ascender ao cargo máximo do Ministério Público Federal (MPF) não era muito conhecido pelos colegas.
A nomeação dele por Bolsonaro quebrou a tradição da lista tríplice eleita pela associação de procuradores. De quebra, colou no PGR uma aura de ambiguidade. “Com o Rodrigo [Janot], concordando ou não, a gente já sabia o que esperar”, disse um procurador sobre o antigo PGR, signatário de duas denúncias contra o ex-presidente Michel Temer.
Ao mesmo tempo em que dizem ser impossível ignorar as falas e, principalmente, as atitudes de Bolsonaro como provas de alguns crimes, entre os quais advocacia administrativa, os procuradores acham perfeitamente factível que Aras ache uma interpretação para enterrar a denúncia.
Mesmo nesse cenário, os procuradores acreditam que o presidente da República acabará sendo denunciado ao Supremo Tribunal Federal (STF). “Se o Aras não fizer nada, algum governador vai entrar com queixa-crime, por meio de uma ação penal privada ou algo do tipo”, afirmou ao Valor um integrante da PGR.
Na sexta-feira, Aras informou que só iria se manifestar após assistir à íntegra do vídeo. A expectativa é de que ele se pronuncie oficialmente até o fim desta semana. Ontem, sob as vistas de Bolsonaro, o PGR disse que a independência dos Poderes não poderia gerar o caos. A declaração foi dada durante a solenidade de posse do novo procurador federal dos Direitos do Cidadão, Carlos Alberto Vilhena.
“República Federativa do Brasil, constituída em estado democrático de direito. Com entes autônomos e independência, mas acima de tudo harmonia, para que a independência não se transforme em caos. Porque é a harmonia que mantém o tecido social forte”, afirmou Aras.
Semana passada, após o ministro Celso de Mello, do STF, enviar uma consulta à PGR sobre eventual retenção do celular de Bolsonaro, o ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), disse que o pedido poderia ter consequências “imprevisíveis” para a estabilidade democrática. A carta teve respaldo do Ministério da Defesa e de alguns militares da reserva.
Para procuradores da PGR, a carta de Heleno foi vista como uma cortina de fumaça para o vídeo da reunião ministerial, que estava em vias de ser divulgado.
Além de Bolsonaro, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi alvo de críticas severas. Ele foi classificado como o “Darth Vader” da reunião, em referência ao vilão da saga Guerra nas Estrelas. Salles disse no encontro que o governo deveria aproveitar a desatenção da mídia para “passar a boiada” e aprovar normas que atenuem fiscalizações e punições a crimes ambientais.