O GLOBO, n 32.321, 02/02/2022. Política, p. 5
Auditor bolsonarista assume corregedoria da Receita
Daniel Gullino e Manoel Ventura
Nomeação realizada ontem preocupa servidores do Fisco pela possibilidade de abrir espaço para interferência política no órgão, que já foi alvo de pressão de Flávio Bolsonaro; João José Tafner não tem experiência no setor que comandará
Concretizada ontem, a nomeação do auditor João José Tafner para o cargo de corregedor da Receita Federal levou preocupação a servidores do órgão pela possibilidade de abrir espaço para interferência política. Tafner é apoiador da família Bolsonaro nas redes sociais, onde já publicou foto ao lado do deputado Eduardo Bolsonaro. A corregedoria é uma área de interesse do senador Flávio Bolsonaro (PLRJ), que já pressionou o órgão a encontrar possíveis irregularidades que teriam embasado a investigação do esquema de rachadinha em seu gabinete na Alerj, denunciado pelo Ministério Público do Rio.
Além da proximidade com a família presidencial, a indicação de Tafner para a corregedoria chama a atenção porque ele não ocupava funções de liderança dentro do Fisco. De acordo com dados do Portal da Transparência, Tafner não tinha cargo gratificado dentro da Receita, dado a chefes, desde 2014.
Conforme relatos de integrantes do governo, ele não tem passagens anteriores pela Corregedoria e, por isso, seu perfil é considerado inusual para chefiar o órgão.
Tafner é servidor federal há quase 20 anos. Ocupou no ano passado o cargo de diretor administrativo-financeiro da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), empresa que também é vinculada ao Ministério da Economia.
Durante a campanha eleitoral de 2018, ele posou para fotos ao lado do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSLSP), de Marcos Pontes (hoje ministro da Ciência e Tecnologia) e do candidato a deputado estadual pelo PSL Marcus Dantas. Nas fotos, Tafner aparece utilizando um adesivo da campanha de Dantas.
A nomeação foi publicada ontem no Diário Oficial da União (DOU), com a assinatura do ministro da Economia, Paulo Guedes.
O comando da corregedoria da Receita estava vago desde julho do ano passado, quando terminou o mandato de José Pereira de Barros Neto. Guedes havia indicado para o posto o auditor Guilherme Bibiani. Entretanto, segundo informou o colunista Lauro Jardim, do GLOBO, na época, a nomeação foi travada por Flávio Bolsonaro, que gostaria que alguém de sua confiança ficasse no posto.
Barros Neto havia sido alvo de um pedido de investigação de Flávio, que acusou o então corregedor de deixar de apurar supostos atos ilegais. O Ministério da Economia, contudo, concluiu que não houve infração e arquivou o caso.
A defesa do senador alega que a investigação da rachadinha, da qual ele é alvo, teria sido iniciada a partir da atuação irregular de auditores da Receita no Rio de Janeiro. Em 2020, Flávio e seus advogados se reuniram com o então secretário da Receita, José Barroso Tostes Neto, para apresentar suas suspeitas.
Tostes Neto deixou o cargo em dezembro. De acordo com a colunista Míriam Leitão, a ordem para exonerá-lo partiu de Bolsonaro, atendendo os interesses de Flávio.
CLIMA NADA AMISTOSO
O clima entre os membros da corregedoria da Receita não é nada amistoso em relação a Tafner, como informou a colunista Bela Megale, do GLOBO.
Três pontos pesam internamente contra a sua escolha para comandar a área. O primeiro é que ele não tem experiência dentro do sistema correcional, já que sua carreira na Receita foi na área aduaneira. É comum que os chefes da corregedoria tenham atuação e conhecimento prévio em investigações e, por isso, há muita desconfiança sobre como ele conduzirá o órgão.
O segundo são as relações com a família Bolsonaro. O terceiro ponto é que integrantes da cúpula da corregedoria já foram alvo de representações das advogadas do senador Flávio Bolsonaro. Dentro da corregedoria é consenso que a nomeação de Tafner teve o aval de Flávio, que tem interesse direto na Receita.