O GLOBO, n 32.321, 02/02/2022. Política, p. 6

“A PF NÃO PODE SER USADA PARA ATINGIR OBJETIVOS POLÍTICOS”

Luís Flávio Zampronha, DELEGADO DA POLÍCIA FEDERAL


À frente do setor mais delicado da Polícia Federal, que cuida das delegacias de corrupção, narcotráfico e lavagem de dinheiro, o diretor de Investigação e Combate ao Crime Organizado (Dicor), Luís Flávio Zampronha, considera “injustas” as críticas de que a corporação removeu delegados e trocou superintendentes por pressões políticas do governo de Jair Bolsonaro. Ele atribui os ruídos a “colegas insatisfeitos com a perda do cargo de chefia que utilizam investigações sensíveis para tentar se manter no posto” e mostra o balanço do último ano para reforçar o papel institucional e o trabalho de continuidade da PF, “independente de alterações em chefias e mudanças de ministério” —houve um aumento de 34% no número de operações em 2021 em comparação com 2020 — foram 9.694 ante 6.933.

Delegados têm feito críticas internas de que a atual gestão da PF tem cedido a interferências políticas do governo Bolsonaro. Como responde a isso?

Todas as trocas foram mudanças relacionadas a cargos de confiança, que não têm interferência nas investigações.

Não é ruim para a imagem da PF realizar remoções em superintendências bem no meio de investigações sensíveis ao governo?

Toda a delegacia tem casos sensíveis de interesse público. Qualquer troca nesse momento gera essas repercussões, o que é injusto. O que a gente percebe é que colegas insatisfeitos com a perda do cargo de chefia e de confiança usam investigações sensíveis para tentar se manter no posto. Esse é o problema.

Em que casos, por exemplo, isso ocorreu?

Não vou citar nomes. Mas a PF não pode depender de pessoas e figuras específicas, nós somos uma instituição. A Polícia Federal tem que estar fora das disputas políticas, de um lado e do outro. Não pode deixar a PF ser usada para atingir objetivos políticos. Isso vale para todos os aspectos políticos e ideológicos.

Neste ano eleitoral, a PF já identificou tentativas de infiltração de facções criminosas na política?

Nós já fazemos há alguns anos esse trabalho de cruzamento de dados e já identificamos vereadores, prefeitos e até deputados estaduais. As organizações criminosas sempre têm a tendência de expandir. Na Itália, as estruturas mafiosas se voltaram para os contratos públicos e dominaram licitações e negócios com o estado. Estamos alertas para não deixar isso prosperar no Brasil.

As operações da PF aumentaram, mas também houve queda no número de prisões por corrupção no último ano. Por quê?

A prisão é uma medida que não está diretamente relacionada à PF. O delegado tem autonomia para efetuar os pedidos de prisão. A palavra final cabe à Justiça.

Quais são os focos prioritários hoje no combate à corrupção?

Os desvios de repasses dos fundos bilionários da Educação e da Saúde, que vão para estados e municípios.

Faz tempo que não ouvimos falar sobre a Lava-Jato. A operação acabou?

A Polícia Federal é muito maior do que casos específicos. A Lava-Jato faz parte da nossa história, mas a PF não se resume a isso. Não começa nem termina com a operação.