O GLOBO, n 32.321, 02/02/2022. Política, p. 6
O AGRO RENDE VOTOS E É DISPUTADO POR PRÉ-CANDIDATOS
Bruno Góes
Responsável por um terço da economia nacional, setor tem inclinação a Bolsonaro, faz gestos a Lula e recebe acenos de Moro, Ciro e Doria
De olho nas eleições, pré-candidatos à Presidência da República já iniciaram uma aproximação com empresários do agronegócio, atividade com projeção de ter um peso de quase um terço na produção econômica do Brasil em 2021. Apesar de segmentos relevantes do setor declararem apoio a Jair Bolsonaro, já há gestos de produtores ao ex-presidente Luiz Inácio Lula Silva (PT). O petista sempre teve boa relação com empreendedores do campo.
Os sinais de aproximação também partem de outros postulantes, como Sergio Moro (Podemos), João Doria (PSDB) e Ciro Gomes (PDT).
Interessados em garantir políticas favoráveis, os empresários procuraram nos últimos meses encaminhar suas demandas. Uma das principais é a expansão do crédito para alavancar as exportações e o desenvolvimento da cadeia de pequenos e médios produtores.
Desde o ano passado, Bolsonaro vem reforçando os laços com o setor por meio de políticas instituídas por bancos públicos. Em julho, a Caixa Econômica prometeu abrir cem agências exclusivas para o agro com foco no crédito para a agricultura familiar e financiamento de projetos de irrigação, construção de silos e armazéns, além de aquisição de máquinas.
Já o Banco do Brasil, que no início do governo chegou a ser alvo de estudos para a privatização, retomou o protagonismo ao estreitar as relações com grandes produtores. A carteira da instituição para o setor cresceu 21,6% em 2021, para R$ 222,5 bilhões até setembro.
Parlamentares da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) reconhecem que há uma proximidade maior do setor com Bolsonaro, mas não descartam o diálogo com outras forças políticas.
— Nós não podemos deixar de reconhecer os avanços que houveram no passado (no governo Lula e Dilma).
Reestruturamos todo o setor do crédito agrícola. Mas, ao mesmo tempo, somos muito pragmáticos. Estamos apoiando a política do presidente Bolsonaro — diz o deputado Neri Gueller (PP-MT).
Gueller, que chegou a ser ministro da Agricultura de Dilma Rousseff, em 2014, tem conversado com políticos de diferentes partidos. Assim como outros parlamentares da bancada.
Há duas semanas, Lula iniciou o diálogo com grandes empresários do agro. Em São Paulo, o pré-candidato ouviu as queixas de produtores sobre a relação do Brasil com a China e sinalizou abertura para resolver os problemas enfrentados no campo.
Até o momento, os nomes dos empresários são mantidos em sigilo para evitar qualquer retaliação de ruralistas ou até mesmo do governo federal. Mas fontes relatam que um grande produtor de algodão e integrantes da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) estiveram presentes.
Na conversa com Lula, os grandes produtores reclamaram da política externa hostil ao país asiático, maior importador de grãos e proteína animal, e também da política ambiental liderada por Jair Bolsonaro. Entendem que as ações do governo prejudicam o desempenho das exportações.
OS ACENOS
Num possível retorno ao Planalto, Lula considera importante ter bom diálogo com representantes do setor. Segundo interlocutores, já houve sinalização de aproximação com o ex-governador Mato Grosso e grande produtor de soja Blairo Maggi.
Segundo relatos dos presentes no encontro ocorrido no escritório do advogado do petista, Cristiano Zanin, os empresários também falaram sobre a necessidade de incremento na política de crédito. Criticaram os juros altos para financiar a aquisição de máquinas e relataram o alto custo para a importação de fertilizantes.
Desde o ano passado, Lula vem dando sinais públicos de que terá uma boa relação com setor, mesmo diante da participação ativa de empresários do campo na campanha de Bolsonaro.
“Tanto o agronegócio quanto a agricultura familiar são importantes nesse país. Pergunte ao agronegócio se faltou dinheiro para eles no meu governo. Não faltou. A divergência é que alguns queriam comprar arma para matar sem terra e nós queríamos fazer reforma agrária”, escreveu Lula em suas redes sociais, em setembro de 2021.
A possível retomada de invasões promovidas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é uma das preocupações do setor.
Integrante da FPA e ligado a setores da agricultura familiar, o deputado Zé Silva (Solidariedade-MG) defende que a bancada ruralista se reúna e formalize um documento para que todos os candidatos se comprometam com o setor:
— Ainda não conversei com os candidatos, mas aqui em Minas há produtores de várias cadeias que já estão mandando informações para as campanhas, inclusive envio de sugestões para o Lula.
Há uma semana, em entrevista ao Flow Podcast, Sergio Moro defendeu a interlocução com o agro:
— A gente tem visto a economia no Brasil com dificuldades de crescimento, mas a agropecuária crescendo continuamente e até sustentando uma balança comercial positiva para o Brasil em matéria de exportação, então essa atividade tem que ser valorizada e é possível ter uma rica produção agropecuária tanto do pequeno quanto do grande agricultor com preservação do meio ambiente.
Na primeira semana de janeiro, João Doria também fez um gesto ao setor. Após mobilização de empresários rurais contra uma mudança na cobrança do ICMS, o governo de São Paulo voltou atrás. Barrou a elevação da alíquota para a produção agropecuária.
— O agro foi o setor mais ouvido pelo governador Doria —disse o secretário estadual de Agricultura de São Paulo, Gustavo Junqueira.
Com a mudança de postura, produtores dos setores hortifrutigranjeiro, de carnes e leite pasteurizado foram os mais beneficiados.
Em setembro, após criticar alguns setores do campo que incentivam o desmatamento, aliados de Bolsonaro, Ciro Gomes fez questão de registrar que defenderia produtores responsáveis. “Considero os empreendedores do agronegócios como grandes responsáveis pelo progresso do país”, escreveu nas redes sociais.