Título: Rainhas do lar e damas de ferro
Autor: Samantha Lima e Julia Ribeiro
Fonte: Jornal do Brasil, 25/02/2005, Economia, p. A18

Com divórcio em alta, percentual de mulheres à frente da família cresce 30% em dez anos

A dupla jornada deixa de ser, aos poucos, a grande preocupação das mulheres que integram o mercado de trabalho. Além de conciliar as obrigações profissionais com os afazeres domésticos, um número maior delas tem sobre as costas, ainda, a responsabilidade pela família. A Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE mostra que, entre 1993 e 2003, aumentou de 22,3% para 28,8% (alta aproximada de 30%) o número de famílias que têm como referência a figura feminina, que hoje somam 15,2 milhões de núcleos.

O dado seria apenas um indicador da tendência das famílias, reforçada pelas conquistas das mulheres, inclusive a do direito de se divorciar - o índice de divórcios passou de 1,1 para 1,3 por mil pessoas em dez anos. No entanto, o orçamento desses núcleos reflete a desigualdade do mercado de trabalho com o segmento feminino. O salário delas é 30% menor, embora tenham um ano a mais de estudo do que os homens. O resultado é que 31,2% das famílias com chefes mulheres sem cônjuge possuem renda per capita inferior a meio salário mínimo, contra 24,6%, na média nacional.

A doméstica Maria Cristina Ananias, de 44 anos, é financeiramente responsável pela família desde a separação, quando passou a pagar sozinha R$ 220 de aluguel e R$ 200 de contas, além de gasto médio de R$ 300 com a filia Ana Paula, de oito anos.

- Uma mulher separada acaba arcando com a criação dos filhos. Todo meu salário vai para o pagamento de contas - disse.

A secretária Cirley Freitas, de 42, também paga sozinha as despesas familiares. Viúva, ela ganha uma pensão do INSS que ajuda a fechar as contas no final do mês. Ela destaca que, entre as despesas mais altas, está a mensalidade da faculdade da filha, de R$ 1 mil. Também pesam as contas de condomínio e casa de veraneio.

- Incentivo minha filha a construir um futuro profissional sólido. Marido não é emprego - brinca.

Embora presente em todos os níveis sociais, o comando da família nas mãos da mulher é bem mais comum nas classes mais baixas, segundo a economista Maria Beatriz David, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

- Nesses segmentos existe um número elevado de mães adolescentes e de mulheres abandonadas pelos maridos. Elas são compelidas a aceitarem empregos mesmo com baixos salários, para poderem manter a família - explica.

A pesquisa mostra que, embora mais dedicadas ao estudo, elas continuam longe do nível salarial dos homens. Das ocupadas, 39,1% possuem mais de 11 anos de estudo, contra 28,3% deles. A resposta do mercado a esse maior preparo é um salário que corresponde a apenas 58,6% da média masculina. Quase metade das trabalhadoras (49%) ganha um salário mínimo; entre eles, não chega a um terço.

- Essa é uma característica cultural e presente em todos os países. A solução é a discriminação positiva, com criação de cotas para mulheres em cargos de comando de empresas e serviços públicos, mas ressalto que isso deve ser feito com profissionais de qualidade - defende Beatriz.

As famílias compostas por um casal que tem mulher como chefe passaram a representar apenas 4,8% em 2003, contra 11,5% no ano anterior. O patamar atingido é quase o mesmo de 1993, quando equivalia a 4% dos núcleos. A Síntese aponta como possível causa uma maior inserção do homem no mercado de trabalho no período.