Título: ''Agradeço ao PT pela minha eleição''
Autor: Daniel Pereira, Luiz O. Carneiro e Paulo de Tarso
Fonte: Jornal do Brasil, 20/02/2005, País, p. A3

BRASÍLIA - Severino Cavalcanti (PP-PE), na presidência da Câmara, soaria como uma previsão no mínimo extravagante há uma semana. Mas o pernambucano de João Alfredo, que veio de Ita para o Sul Maravilha, correu por fora, incendiou o baixo clero e a oposição, e virou a nova coqueluche da Câmara. Atropelou seus adversários, sepultando o sonho de Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP) de comandar a Casa. Durante a apuração do segundo turno, na mais tensa madrugada dos últimos anos na capital federal, Severino jamais deixou de estar à frente, fechando a contagem com 105 votos de dianteira. A vida do novo presidente da Câmara ¿ que se orgulha de ter aberto mão de estudar mais para que suas quatro irmãs pudessem concluir o curso superior ¿ mudou em um ritmo alucinante. Coube ao Jornal do Brasil fazer a primeira entrevista com Severino, já instalado na residência oficial da Câmara.

¿ Na verdade, eu ainda nem tive tempo de conhecer todas as benesses que esta residência oferece ¿ declarou.

Severino fez questão de levar suas imagens de santos para a nova casa e reforçar a proteção. Proteção de Nossa Senhora Aparecida e de São Jorge para a sua cruzada de ¿valorização do Parlamento¿.

Severino desvia-se das críticas de corporativismo. Em tom calmo, demonstrou que não está para brincadeira. Distribuiu críticas ao PT, a José Serra, a Marta Suplicy e até ao seu antecessor, João Paulo Cunha. Tudo no estilo de quem escolheu a política como sua obsessão.

¿ Se eu morrer fazendo política, estou feliz. Mas me tirem a política, que morro no dia seguinte ¿ costuma repetir aos colegas.

Responsável por uma reavaliação geral de rumos do governo e do PT, Severino desconversa, alterna a primeira e a terceira pessoa nas suas citações e aposta que Lula está mais feliz do que triste com a derrota de Greenhalgh.

¿ Um reajuste salarial para os deputados não atrapalha a imagem da Câmara?

¿Não é uma coisa que eu queira fazer como meu primeiro ato. Mas tem que existir. Falei na campanha que ia fazer e vou fazer.

¿ Se houver reação da sociedade, o senhor pretende adiar esse projeto?

¿ Tenho de fazer as coisas de acordo com o regimento interno e com a Constituição. Não estou criando nada. Mas também não vou abonar falta de quem não estiver presente nas comissões ou no plenário. Receberá salário quem trabalhar.

¿ O Legislativo precisa mais de independência ou mais de harmonia em relação ao Executivo?

¿ As duas coisas. Na entrevista que tive com o presidente Lula, ele disse: ¿Severino, temos de fazer um trabalho pelo Brasil¿. Quero que ele respeite os parlamentares. Até agora, o Parlamento tem sido ofuscado pelo Executivo, que manda as medidas provisórias e empata completamente o andamento dos projetos dos deputados.

¿ O senhor derrotou o candidato oficial do governo. Sentiu por parte do presidente Lula vontade de cooperar com seu trabalho?

¿ Senti uma satisfação dele muito grande com minha ascensão à presidência. Ele notou que iria ter muito mais receptividade comigo do que com o candidato do partido dele, que estava dividido.

¿ Se o PP tivesse recebido um ministério antes, a candidatura do senhor teria sido lançada?

¿ Se os erros do governo não tivessem acontecido, claro que eu não teria sido eleito. Foi um espetáculo de revolta da Câmara.

¿ O senhor teria se lançado candidato caso a reforma ministerial já tivesse sido realizada?

¿ Me lancei candidato porque vi que o PT estava completamente desorientado e era a grande oportunidade de ganhar a eleição. Tinha sido escolhido segundo vice-presidente, ia ser o corregedor-geral da Câmara. Abri mão porque tinha certeza de que o PT iria me eleger, escolhendo um candidato que não estava dentro das expectativas dos parlamentares.

¿ Então, seu grande eleitor foi o PT?

¿ Ah, foi. Agradeço muito a eles.

¿ No segundo turno, os tucanos paulistas despejaram votos no senhor contra Greenhalgh.

¿ Mas não foram orientados pelo Serra. Não gosto do jeito, da prepotência dele. Sei que o presidente Fernando Henrique Cardoso, que me procurou várias vezes, pediu para que votassem em mim.

¿ Na última eleição em São Paulo, o PP aliou-se ao PT. Em 2006, a tendência é retomar uma aliança com tucanos e pefelistas?

¿ Não posso prever, a política é dinâmica. Cada um toma sua posição de acordo com as conveniências locais. Você sabe que tenho uma divergência muito grande com a Marta Suplicy. Ela não me tolera e a recíproca é verdadeira.

¿ Nos últimos dias, houve um troca-troca intenso de legenda pelos parlamentares.

¿ É uma vergonha. Estou revoltado. Um parlamentar passar 12 horas na legenda. Tem de haver logo reforma partidária, para haver punição. O parlamentar não é dono do mandato.

¿ Correm boatos de que as trocas envolvem pagamento de propinas

¿ Não tenho provas. Sei que não é regular ou normal uma coisa dessas.

¿ É falta de decoro?

¿ É falta de decoro. Se eu encontrar alguém que prove que o parlamentar recebeu dinheiro, abro imediatamente o inquérito.

¿ Os deputados do PP são fiéis?

¿ Não muito. Mas vou fazer todo possível para que seja primordial a fidelidade partidária.

¿ A fidelidade não está na reforma política. Dentre os pontos que estão aparecem financiamento público de campanha, lista fechada....

¿ Sou contra a lista fechada.

¿ Por quê?

¿ Eu seria beneficiário direto. Sou o deputado mais votado no partido, presidente do diretório regional de Pernambuco. Mas a lista é a perpetuação da oligarquias.

¿ E o financiamento público?

¿ Vamos examinar como será feita a prestação de contas. Temos de evitar que o dinheiro público seja jogado na sarjeta.

¿ O senhor cobrou do presidente Lula que ele e os ministros dedicassem mais atenção aos deputados?

¿ Vou aproveitar para dizer aos meus companheiros que serão recebidos, possivelmente uma vez por semana, pelo presidente. Sei do sofrimento dos deputados, que não têm tido a oportunidade de falar com o presidente da República.

¿ O presidente, então, lhe deu razão?

¿ Deu. Não tem quem não goste de carinho.

¿ É necessária uma reforma ministerial ampla?

¿ Tem de haver, porque alguns setores não funcionam bem. O Palocci funciona bem, o ministro da Agricultura também e o ministro Furlan tem sido excelente.

¿ O senhor elogia o Palocci, mas critica os juros e a carga tributária.

¿ Critiquei no varejo, e ele acertou no atacado.

¿ A articulação política do governo na Câmara está falha?

¿ Está. Quem tinha de fazer o que estou fazendo era a própria liderança do PT. Fazer com que o governo tivesse um diálogo melhor com os parlamentares.

¿ A perda de poder do ministro José Dirceu contribuiu para isso?

¿ Um pouco. Dirceu realmente é um bom articulador. O Aldo (Rebelo) é muito bom, mas não tem autoridade no governo. Ele recebe os ministros, e os ministros sabotam o trabalho dele. O ideal seria unir a amabilidade do Aldo com a eficiência do Dirceu.

¿ O ex-presidente João Paulo Cunha poderia ocupar a articulação política?

¿ O João Paulo é uma excelente figura. Foi inexperiente e não conseguiu comandar a própria reeleição. Não teríamos hoje Severino na presidência se ele tivesse mais desenvoltura política.

¿ Faltou um Severino ao lado dele?

¿ Não, Severino esteve ao lado dele, mas ele não aceitou muito as ponderações de Severino.

¿ O que o senhor tem a dizer sobre a violência no campo?

¿ Falta ação imediata. O governo tem de ser mais ágil para fazer a reforma agrária, mas não da maneira como está sendo feita. Paga para o sujeito receber a terra, e dois anos depois ele vende aquela terra e vai embora de novo para tomar outra. Não é possível continuar assim.

¿ A ação do MST é prejudicial à reforma agrária?

¿ Eles só querem tomar a terra. Não adianta dar a propriedade para quem não sabe o que fazer com ela. O Ministério da Agricultura tem de se integrar mais com a reforma agrária.

¿ O senhor receberia os dirigentes do MST?

¿ Eu não recebo. O Movimento dos Sem Terra é um movimento marginal. Está lá para fazer provocação. Que se legalizem para que possa dar a eles a recepção que devo dar àqueles que estão dentro dos princípios do direito.

¿ O senhor tem criticado a MP 232 com veemência. O presidente Lula foi receptivo às suas críticas?

¿ Sobre isso, teremos um encontro do Palocci com os presidentes das federações na terça-feira. Não pode ter intransigência. Nem de um lado nem do outro.

¿ Há discriminação do governo federal em relação ao estado do Rio, como reclama o ex-governador Anthony Garotinho?

¿ Não conheço bem a política do Rio, nem as ações do governo federal. Mas não posso admitir discriminação, porque ali não é o Garotinho, é o estado do Rio de Janeiro. A eleição passou, temos que cuidar é do desenvolvimento, da paz social.

¿ Qual é a sua opinião sobre a proposta do governo de transposição do Rio São Francisco?

¿ É uma necessidade premente. Petrolina e Boa Vista são um outro Pernambuco. Uma região rica, com empregos, exportações. É preciso melhorar a qualidade de vida da outra parte que ainda não recebeu benesse até agora. Vou colocar todas as forças que eu tiver para que a transposição seja realizada.

¿ A seu ver, a política de juros tem prejudicado o Brasil?

¿ As pequenas e médias empresa estão sendo muito penalizadas. O governo tem que investir para que o micro e o pequeno empresário possam acabar com o desemprego. E quem dá emprego são as micro e pequenas empresas.